Há 50 anos, a revolução de Abril delineava-se elegendo a rádio como um dos pontos fulcrais. Foi aí que ecoaram as senhas que iniciaram as movimentações militares, foi aí que se estabeleceu um importante posto de comando dos revoltosos, foi aí que se gravaram os símbolos sonoros da revolução. Tudo isto aconteceu porque a rádio reunia uma grande popularidade junto das pessoas, apresentava a agilidade do direto e contava com a conivência de muitos daqueles que lá trabalhavam, sobretudo no horário da noite.

Eram 22.55 horas quando os Emissores Associados de Lisboa emitiram a canção vencedora desse ano do Festival da Canção “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho. Era a senha de arranque para os militares da zona de Lisboa darem o primeiro passo rumo à revolução. A escolha inicial tinha sido “Venham mais cinco”, de Zeca Afonso, mas essa música era difícil de passar, porque estava proibida pela censura.

Às 00.20 horas, uma senha de confirmação, desta vez dirigida a todos os revoltosos do país: a declamação de alguns versos de “Grândola, Vila Morena”, a que se seguia a própria canção. Neste caso, escolheu-se o programa Limite, emitido na Rádio Renascença, uma estação com um ambiente de uma certa vanguarda e liberdade criativa. Por essa altura, a rádio estava mais solta do exame prévio, mas, naquela semana, os homens do lápis azul andavam particularmente atentos a todas as redações. Os responsáveis pelo programa “Limite” sentiam o peso da responsabilidade em relação ao momento em que colocariam no ar a senha. Por isso, apesar do programa ser emitido em direto, resolveram gravar previamente essa parte.

Embora grande parte dos jornalistas não imaginasse o que iria acontecer na madrugada do 25 de Abril, os militares haveriam de mobilizar antecipadamente alguns jornalistas para a sua causa. Não foi por acaso que, na véspera da revolução, o jornal “República” publicava o seguinte texto: “O programa ‘Limite’ que se transmite na Rádio Renascença diariamente entre a meia-noite e as duas horas melhorou notoriamente nas últimas semanas. A qualidade dos apontamentos transmitidos e o rigor da seleção musical fazem do ‘Limite’ um tempo de audição obrigatório”.

Excluindo do seu plano a Emissora Nacional, que estava demasiado alinhada com o regime e que fechava à noite (passando programas gravados), o Movimento das Forças Armadas ocuparia, a partir das 3 da madrugada, outra estação: o Rádio Clube Português, através do qual divulgaria os seus comunicados, o primeiro dos quais, lido por Joaquim Furtado, começava assim: “Aqui, Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas”. A revolução estava em curso e os jornalistas assumiam aí um importante papel. A liberdade dava os primeiros passos.

QOSHE - O 25 de Abril na rádio - Felisbela Lopes
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O 25 de Abril na rádio

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12.04.2024

Há 50 anos, a revolução de Abril delineava-se elegendo a rádio como um dos pontos fulcrais. Foi aí que ecoaram as senhas que iniciaram as movimentações militares, foi aí que se estabeleceu um importante posto de comando dos revoltosos, foi aí que se gravaram os símbolos sonoros da revolução. Tudo isto aconteceu porque a rádio reunia uma grande popularidade junto das pessoas, apresentava a agilidade do direto e contava com a conivência de muitos daqueles que lá trabalhavam, sobretudo no horário da noite.

Eram 22.55 horas quando os Emissores Associados de Lisboa emitiram a canção vencedora desse ano do Festival da Canção “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho. Era a........

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