Os portugueses saíram ontem à rua para celebrar genuinamente a liberdade que, nestes 50 anos, a democracia lhes proporcionou. E foi bonita a festa. Em contrapartida, o país político criou esta semana vários factos que corroem por dentro o sistema democrático. E nos colocam perante episódios verdadeiramente lamentáveis.

Poucos dias antes de Portugal comemorar a Revolução de Abril, a Aliança Democrática, a coligação que sustenta o Governo, deu a conhecer a sua lista candidata ao Parlamento Europeu, colocando na respetiva liderança um jovem independente, com carteira profissional de jornalista cuja atividade profissional era, até então, a de comentador político, conhecido por um discurso radical de explícita defesa dos partidos de Direita. O salto direto do plateau de informação televisiva para o campo político é permitido, mas é eticamente censurável. A vários níveis. Porque quebra a relação de confiança que tínhamos com quem firmou connosco um contrato de explicação da realidade política, descomprometida de fidelidades em relação aos partidos objeto de análise. Porque identifica audiências com votos e isso é intolerável. O líder do PSD procurou justificar a escolha de Sebastião Bogalho, falando-nos de um candidato que “o país conhece”, reconhecendo ser “aqui e ali polémico”, ou seja, reúne condições ideais para se bater com qualquer candidato do Chega, não poupando decerto decibéis quando encontrar pela frente uma Joana Amaral Dias. Todos concordarão que não serão estes critérios dignificantes para presidir à escolha de um candidato que lidera um processo eleitoral.

Ainda não tínhamos acomodado esta surpresa, quando o presidente da República arranca de Belém rumo a um jantar com jornalistas estrangeiros para aí falar de um primeiro-ministro “rural”, vindo de um “país profundo”, confessar um corte de relações com o próprio filho e assegurar que Portugal é responsável por crimes cometidos durante a escravatura transatlântica e o período colonial, havendo, por isso, necessidade de indemnizações. Nada poderia ter sido mais inoportuno e inapropriado. Ontem, em plena Assembleia da República, na cerimónia que assinalou os 50 anos do 25 de Abril, André Ventura gritou que, “se houvesse em Portugal um processo de destituição (do PR), o Chega não hesitaria em começá-lo”. No Parlamento, também se ouviram duras críticas do CDS, da IL e do BE.

Em Lisboa, bem longe dos corredores do poder, os portugueses encheram a Avenida da Liberdade e deambularam pelo Largo do Carmo e pelo Chiado, para reabilitar memórias de um Portugal de gente cheia de coragem e de dignidade. Fizeram bem trazer para junto de si esse passado extraordinário, porque no presente não encontramos políticos à altura desse tempo.

QOSHE - A distância entre o país real e o país político - Felisbela Lopes
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A distância entre o país real e o país político

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26.04.2024

Os portugueses saíram ontem à rua para celebrar genuinamente a liberdade que, nestes 50 anos, a democracia lhes proporcionou. E foi bonita a festa. Em contrapartida, o país político criou esta semana vários factos que corroem por dentro o sistema democrático. E nos colocam perante episódios verdadeiramente lamentáveis.

Poucos dias antes de Portugal comemorar a Revolução de Abril, a Aliança Democrática, a coligação que sustenta o Governo, deu a conhecer a sua lista candidata ao Parlamento Europeu, colocando na respetiva liderança um jovem independente, com carteira profissional de jornalista cuja atividade profissional era, até então, a de comentador político, conhecido por um........

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