O Halloween é como a rúcula. Chegou tarde a Portugal e hoje em dia ainda há quem torça o nariz a essa modernice. No Dia de Todos os Santos, eu celebrei sempre o Pão por Deus. Lá ia eu e a canalha, com as nossas cantilenas, bater às portas para pedir guloseimas: “Pão por Deus. Fiel de Deus. Bolinho no saco. Andai com Deus.”

Quando abríamos o saquinho do pão, era uma animação. No final da manhã, despejávamos na mesa o resultado do nosso saque e fazíamos contas ao tesouro. Guloseimas de marca? Jackpot! Rebuçados da penha? Ok. Mas quantos de mirtilo? É que esses eram os melhores e mais raros. Já as broas, figos secos e línguas-de-gato eram uma derrota pessoal. Quem é que quer roer figos secos quando pode passar o resto do dia a tirar caramelo dos dentes? Era uma manhã bem passada a chatear a vizinhança para nos darem os seus seus doces ou, no caso do sr. Branquinho que vivia sozinho, as bolachas moles de água e sal que tivesse perdidas na despensa. As bolachas eram tão moles, que tenho em mim que aquele pacote serviu, na boa, uns três anos de Pão por Deus. Mas não era por isso que iríamos atirar ovos à janela do sr. Branquinho. Até porque ele era caçador e é só ver a CMTV para perceber que, no campo, certos “acidentes” com armas de caça acontecem imenso.

Por acaso, se isto não é sinal de que o povo português é realmente trouxa, eu não sei o que é. No Halloween, os americanos andam por aí a pedir “doçuras ou travessuras” e ninguém se manifesta contra isto. O vizinho abre a porta e fica automaticamente refém de um grupo de miúdos com menos de um metro e meio, vestidos com disfarces feitos de esponja e tecidos altamente inflamáveis. Seguidamente, os mafarricos dão a escolher: dás-me um bocado de açúcar processado ou temos que nos chatear? E toda gente acha uma gracinha a esta chantagem. Isto não é a turma do ATL do centro paroquial, isto é a turma do AT-Al Capone.

Mas enquanto Hollywood se ocupa com filmes de mortos-vivos para vermos, o nosso ponto alto do Dia de Todos os Santos é ir ver mesmo os mortos. Compramos flores e ficamos surpreendidos com o preço a que estão os arranjos. É tradição. Sim, é homenagear quem já partiu e que tanta falta nos faz, mas também é ver quem é que veio à terra no feriado. “Olha, a campa do Quim está tão bonita. Olha, aquela ali vai não é a Dona Otília? Está mais gorda. E o sr. Florival? Está tão magro, acho que esteve muito mal. Foi internado e tudo. É. Ai. Aquelas ali são as que estavam emigradas na Suíça? Ouvi dizer que a mais velha está separada”. Deixamos as nossas campas bonitas, não para inglês mas para a dona Inês ver, que ela gosta muito de ir para o café quadrilhar.

Não é para ser “hater” do conceito do Halloween, mas a única forma de eu querer celebrar o Dia das Bruxas é se elas vierem para a mesa acompanhadas por um vinho branco fresquinho, numa marisqueira com vista para o mar.

Quando abríamos o saquinho do pão, era uma animação. No final da manhã, despejávamos na mesa o resultado do nosso saque e fazíamos contas ao tesouro. Guloseimas de marca? Jackpot! Rebuçados da penha? Ok. Mas quantos de mirtilo? É que esses eram os melhores e mais raros. Já as broas, figos secos e línguas-de-gato eram uma derrota pessoal. Quem é que quer roer figos secos quando pode passar o resto do dia a tirar caramelo dos dentes? Era uma manhã bem passada a chatear a vizinhança para nos darem os seus seus doces ou, no caso do sr. Branquinho que vivia sozinho, as bolachas moles de água e sal que tivesse perdidas na despensa. As bolachas eram tão moles, que tenho em mim que aquele pacote serviu, na boa, uns três anos de Pão por Deus. Mas não era por isso que iríamos atirar ovos à janela do sr. Branquinho. Até porque ele era caçador e é só ver a CMTV para perceber que, no campo, certos “acidentes” com armas de caça acontecem imenso.

Por acaso, se isto não é sinal de que o povo português é realmente trouxa, eu não sei o que é. No Halloween, os americanos andam por aí a pedir “doçuras ou travessuras” e ninguém se manifesta contra isto. O vizinho abre a porta e fica automaticamente refém de um grupo de miúdos com menos de um metro e meio, vestidos com disfarces feitos de esponja e tecidos altamente inflamáveis. Seguidamente, os mafarricos dão a escolher: dás-me um bocado de açúcar processado ou temos que nos chatear? E toda gente acha uma gracinha a esta chantagem. Isto não é a turma do ATL do centro paroquial, isto é a turma do AT-Al Capone.

Mas enquanto Hollywood se ocupa com filmes de mortos-vivos para vermos, o nosso ponto alto do Dia de Todos os Santos é ir ver mesmo os mortos. Compramos flores e ficamos surpreendidos com o preço a que estão os arranjos. É tradição. Sim, é homenagear quem já partiu e que tanta falta nos faz, mas também é ver quem é que veio à terra no feriado. “Olha, a campa do Quim está tão bonita. Olha, aquela ali vai não é a Dona Otília? Está mais gorda. E o sr. Florival? Está tão magro, acho que esteve muito mal. Foi internado e tudo. É. Ai. Aquelas ali são as que estavam emigradas na Suíça? Ouvi dizer que a mais velha está separada”. Deixamos as nossas campas bonitas, não para inglês mas para a dona Inês ver, que ela gosta muito de ir para o café quadrilhar.

Não é para ser “hater” do conceito do Halloween, mas a única forma de eu querer celebrar o Dia das Bruxas é se elas vierem para a mesa acompanhadas por um vinho branco fresquinho, numa marisqueira com vista para o mar.

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O Pão por Deus de cada dia sai aos domingues

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05.11.2023

O Halloween é como a rúcula. Chegou tarde a Portugal e hoje em dia ainda há quem torça o nariz a essa modernice. No Dia de Todos os Santos, eu celebrei sempre o Pão por Deus. Lá ia eu e a canalha, com as nossas cantilenas, bater às portas para pedir guloseimas: “Pão por Deus. Fiel de Deus. Bolinho no saco. Andai com Deus.”

Quando abríamos o saquinho do pão, era uma animação. No final da manhã, despejávamos na mesa o resultado do nosso saque e fazíamos contas ao tesouro. Guloseimas de marca? Jackpot! Rebuçados da penha? Ok. Mas quantos de mirtilo? É que esses eram os melhores e mais raros. Já as broas, figos secos e línguas-de-gato eram uma derrota pessoal. Quem é que quer roer figos secos quando pode passar o resto do dia a tirar caramelo dos dentes? Era uma manhã bem passada a chatear a vizinhança para nos darem os seus seus doces ou, no caso do sr. Branquinho que vivia sozinho, as bolachas moles de água e sal que tivesse perdidas na despensa. As bolachas eram tão moles, que tenho em mim que aquele pacote serviu, na boa, uns três anos de Pão por Deus. Mas não era por isso que iríamos atirar ovos à janela do sr. Branquinho. Até porque ele era caçador e é só ver a CMTV para perceber que, no campo, certos “acidentes” com armas de caça acontecem imenso.

Por acaso, se isto não é sinal de que o povo português é realmente trouxa, eu não........

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