É tempo de se colocar um fim à discussão inflamada e replicada acerca da pretensa interligação entre a justiça e a política, no que se refere ao processo designado de Influencer. Cabe-nos, enquanto cidadãos conscientes, activos e defensores da consolidação do Estado de Direito Democrático que somos, acompanhar o referido processo, no estrito e rigoroso vector judiciário e na medida em que o já espezinhado segredo de justiça o permitir. Aliás, os média dariam uma excelente prova de maturidade se acabassem com as notícias a conta-gotas e descontextualizadas sobre o conteúdo e a evolução da investigação! No âmbito processual, gerou-se, parece-me, alguma confusão nos espíritos dos cidadãos em geral sobre a interpretação a dar à decisão do JIC, de não aplicar a nenhum dos arguidos detidos a medida de prisão preventiva e julgar indiciados apenas crimes de tráfico de influência. Houve até quem afirmasse que tal decisão fora uma derrota para o MP. Desde logo a magistratura do MP não sofre derrotas nem soma vitórias. A sua função é a de defender a legalidade democrática e dirigir a fase de investigação sujeita aos princípios da legalidade e da objectividade. Pode errar no seu juízo jurídico, mas não é derrotada, representa o Estado no exercício do seu poder punitivo. Não ganha nem perde neste debate. Quem poderá perder é a Justiça e a Comunidade. Aliás, é-lhe imposto o dever de defender a absolvição do arguido contra o qual não logrou fazer prova em julgamento. Quanto às medidas de coacção, a regra constitucional e processual penal é a da liberdade provisória, porventura sujeita a medidas de coacção não detentivas. Determina o CPP que as medidas de coacção a aplicar em cada caso concreto devem mostrar-se necessárias e adequadas às exigências cautelares do caso e proporcionais à gravidade do crime indiciado e às sanções previsivelmente aplicáveis. Quanto à medida de prisão preventiva, a mais gravosa de todas, só será ordenada se houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de máximo superior a cinco anos; houver fuga ou perigo de fuga; perigo de perturbação do inquérito ou da instrução; de continuação da actividade criminosa ou de perturbação grave da ordem e tranquilidades públicas. O JIC expressou um juízo de suspeita de prática de crimes de tráfico de influências, pelo que, só por isso, não poderia aplicar prisão preventiva. O que se verifica é um diferendo jurídico entre o MP e o JIC sobre a qualificação jurídica dos factos considerados indiciados. Factos estes que, como já referi anteriormente, podem vir a ser reforçados ou contrariados com nova prova carreada para os autos no decorrer da investigação. Não há vitórias nem derrotas, apenas questão jurídica que o tribunal de recurso decidirá.

*A autora escreve segundo a antiga ortografia

QOSHE - Prisão preventiva - Cândida Almeida
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Prisão preventiva

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26.11.2023

É tempo de se colocar um fim à discussão inflamada e replicada acerca da pretensa interligação entre a justiça e a política, no que se refere ao processo designado de Influencer. Cabe-nos, enquanto cidadãos conscientes, activos e defensores da consolidação do Estado de Direito Democrático que somos, acompanhar o referido processo, no estrito e rigoroso vector judiciário e na medida em que o já espezinhado segredo de justiça o permitir. Aliás, os média dariam uma excelente prova de maturidade se acabassem com as notícias a conta-gotas e descontextualizadas sobre o conteúdo e a evolução da investigação! No âmbito processual, gerou-se, parece-me, alguma confusão nos espíritos dos cidadãos em geral........

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