Com o aparato habitual, esta semana, as televisões em primeira linha e depois a imprensa em geral deram palco, mais uma vez, a diligências de investigação, em segredo de justiça, no âmbito de um processo que tem por objecto crimes de natureza económico-financeira e como suspeitos ou arguidos políticos e agentes económicos da Madeira. A intensidade dolosa e o grau de gravidade deste tipo de fuga de informação vão num crescendo, sem que, aparentemente, os agentes políticos se mostrem preocupados e determinados a pôr termo a esta decadente situação, legislando em conformidade. É que os próprios jornalistas o afirmaram expressamente, aquando do início das diligências, de buscas, apreensões e detenções de suspeitos, já nos vários locais alvo das mesmas se encontravam colegas, idos do continente, para acompanharem em tempo real a execução dos mandados pelos órgãos de polícia criminal. Esta perversão de valores deve indignar todos quantos se afirmam cidadãos conscientes e defensores do normal funcionamento das instituições públicas e órgãos de soberania da nação. Quem, por interesses obscuros e destrutivos, “vende” informação sobre tramitação processual ou realização externa de diligências de investigação, em processo coberto pelo segredo de justiça, viola dolosa e gravemente os direitos humanos relativos ao bom nome, presunção de inocência e da preservação da privacidade, não só dos sujeitos sob investigação, mas também dos familiares, amigos e terceiros que com aqueles convivem. Tão ou mais censurável ainda, colocam em causa a realização da justiça, a procura da verdade material, a paz jurídica e o prestígio do órgão de soberania tribunais, debilitando e fragilizando a confiança dos cidadãos na sua justiça. Ignoram-se os objetivos torpes dos autores destas fugas, cirurgicamente passadas à comunicação social, mas neles cabem, com certeza, o oportunismo monetário, político, troca de favores, vaidade ou obsessiva intenção de obstruir, ou mesmo destruir, o trabalho e as funções do MP. Na sequência destas notícias, seguem-se-lhe entrevistas e debates com a utilização de conceitos jurídicos errados que mais baralham o cidadão. Registe-se, por exemplo, a confusão entre suspeito e arguido. O CPP define como “suspeito” toda a pessoa sobre a qual exista “indício” de que cometeu um crime ou se prepara para tal; “arguido” é toda a pessoa, identificada e determinada sobre a qual exista “suspeita fundada” da prática de crime. A democracia alimenta-se de direitos humanos e reforça-se com órgãos de soberania prestigiados e respeitados pelos seus cidadãos. A violação do segredo de justiça sistematicamente sustentada por “inimigos” da verdade criminal debilita, paulatinamente, a reserva republicana do Estado de direito democrático que somos.

A autora escreve segundo a antiga ortografia

QOSHE - Fuga de informação premeditada - Cândida Almeida
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Fuga de informação premeditada

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28.01.2024

Com o aparato habitual, esta semana, as televisões em primeira linha e depois a imprensa em geral deram palco, mais uma vez, a diligências de investigação, em segredo de justiça, no âmbito de um processo que tem por objecto crimes de natureza económico-financeira e como suspeitos ou arguidos políticos e agentes económicos da Madeira. A intensidade dolosa e o grau de gravidade deste tipo de fuga de informação vão num crescendo, sem que, aparentemente, os agentes políticos se mostrem preocupados e determinados a pôr termo a esta decadente situação, legislando em conformidade. É que os próprios jornalistas o afirmaram expressamente, aquando do início das diligências, de buscas, apreensões e detenções de........

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