Terminei o texto da semana passada com uma pergunta que, no essencial, se destinava aos dirigentes europeus. Repito-a agora, alargando-lhe o âmbito, por estarmos nas vésperas do Conselho Europeu de 14 e 15 de dezembro e este ser o momento de fazer o balanço do ano. Pergunto, de novo, quem, na UE, tem a coragem necessária para falar com clareza dos nossos principais problemas? E acrescento, para completar a interrogação, quem ousa tomar as iniciativas que a resolução desses problemas exigem?
A UE acaba o ano enfraquecida, e não apenas por estar próxima de um novo período eleitoral e os seus dirigentes em fim de mandato. São várias as razões: uma pilha de questões complexa por resolver, de par com dissensões importantes quer no interior da Comissão, quer entre esta e o Conselho, onde coexistem divergências significativas entre os Estados-membros. A lista inclui a posição perante a Ucrânia e as preocupações que resultam dos obstáculos que a ofensiva ucraniana está a enfrentar, o relacionamento com a China, a crise israelo-palestiniana, o alargamento em relação aos Balcãs, o crescimento do populismo e de outras formas de radicalismo, a definição de uma nova política migratória, as questões orçamentais e a reforma do Tratado de Lisboa. Poderia igualmente lembrar a inquietação que a política interna dos EUA nos traz, quer no que respeita ao risco de ver a ajuda americana à Ucrânia suspensa, quer ainda por haver a possibilidade de Trump voltar à Casa Branca. Vistos da Europa, os EUA são cada vez mais um enigma. A política externa europeia tem, como já várias vezes o disse, de se diferenciar da americana, que é influenciada por valores e interesses geopolíticos próprios e, tantas vezes, intrincados e distintos dos nossos.

Tudo o que incluo na lista acima referida é essencial para evitar a fratura do projeto europeu. No entanto, tendo em conta a cimeira que ontem teve lugar em Beijing entre Xi Jinping e os líderes europeus Ursula von der Leyen e Charles Michel, parece-me oportuno sublinhar a extrema importância da questão ucraniana. Os europeus deverão ter reiterado sem qualquer hesitação que esperam uma posição chinesa clara que faça compreender a Vladimir Putin que a agressão militar russa contra Ucrânia deve cessar imediatamente.

Von der Leyen e Michel têm toda a razão para estar preocupados com o desequilíbrio comercial existente entre a China e a UE. Creio que terão falado disso com firmeza. Mas acima de tudo, está a segurança europeia, a ameaça bélica russa, o respeito pela soberania de cada Estado.

Por causa das dificuldades que o seu mercado interno está a atravessar, hoje mais do que nunca a China necessita de manter um nível elevado de exportações para a UE. Por seu turno, a Europa precisa de uma China que esteja pronta para contribuir para a paz na Europa, uma China disposta a traduzir em mensagens inequívocas os princípios que diz respeitar. Xi Jinping tem de ouvir repetidamente dos europeus uma mensagem muito forte: tenha presente a importância do mercado europeu para a economia chinesa e fale com o seu amigo Putin; ajude-nos a encontrar uma via que leve à paz na Ucrânia; mostre que acredita na diplomacia e na globalização, um assunto que está no centro da sua filosofia económica. Essa sim, seria a nova ordem que a China diz defender.

A crise israelo-palestiniana também teve de constar da lista. Como tenho escrito e comentado frequentemente sobre esta tragédia, não me alongarei desta vez. Quero, todavia, referir três dimensões que não podem ser ignoradas pelos políticos europeus. Primeiro, que esta nova ofensiva israelita em Gaza é inaceitável e ultrapassa todos os limites da lei internacional. Segundo, não se resolve o terrorismo com chuvas de mísseis sobre áreas civis densamente povoadas. Terceiro, os líderes da UE devem apoiar a missiva que António Guterres enviou a 6 de dezembro ao Presidente do Conselho de Segurança, invocando o Artigo 99 da Carta da ONU. Há muito que o deveria ter feito, como já o mencionei várias vezes. E deveria ter presente que o Artigo 99 é um parágrafo político, sobre as ameaças à manutenção da paz e da segurança internacionais. Guterres deu apenas um enfoque humanitário à sua mensagem. Devia ter ido mais longe, insistindo num processo de paz e no fim das operações militares. Não o fez, mas mesmo assim a sua intervenção é muito importante e não pode deixar os dirigentes europeus silenciosos.

Neste balanço, tinha igualmente a intenção de abordar a expansão dos movimentos populistas. O populismo e o radicalismo político estão a ocupar o centro do debate político. Centro é uma maneira de falar, mas que é preciso falar sobre o assunto, não tenho dúvidas. Sobretudo porque 2024 é um ano de eleições europeias.


Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

QOSHE - União Europeia: um problemático 2023, que prenuncia um novo ano muito arriscado - Victor Ângelo
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

União Europeia: um problemático 2023, que prenuncia um novo ano muito arriscado

19 1
08.12.2023

Terminei o texto da semana passada com uma pergunta que, no essencial, se destinava aos dirigentes europeus. Repito-a agora, alargando-lhe o âmbito, por estarmos nas vésperas do Conselho Europeu de 14 e 15 de dezembro e este ser o momento de fazer o balanço do ano. Pergunto, de novo, quem, na UE, tem a coragem necessária para falar com clareza dos nossos principais problemas? E acrescento, para completar a interrogação, quem ousa tomar as iniciativas que a resolução desses problemas exigem?
A UE acaba o ano enfraquecida, e não apenas por estar próxima de um novo período eleitoral e os seus dirigentes em fim de mandato. São várias as razões: uma pilha de questões complexa por resolver, de par com dissensões importantes quer no interior da Comissão, quer entre esta e o Conselho, onde coexistem divergências significativas entre os Estados-membros. A lista inclui a posição perante a Ucrânia e as preocupações que resultam dos obstáculos que a ofensiva ucraniana está a enfrentar, o relacionamento com a China, a crise israelo-palestiniana, o alargamento em relação aos Balcãs, o crescimento do populismo e de outras formas de radicalismo, a definição de uma nova política migratória, as questões........

© Diário de Notícias


Get it on Google Play