A NATO completou esta semana 75 anos de existência. Sou dos que dizem e ainda bem, mesmo se sempre me identifiquei como um lutador pela paz, que foi o fio condutor da minha vida profissional, e como um defensor dos ideais progressistas. Embora se trate de uma organização militar e de haver uma enorme diferença entre as capacidades dos 32 Estados que a constituem, os seus objetivos são eminentemente de defesa e assim deve ser liderada: a política dirige as respostas militares. Guia-se pelo princípio de uma aliança entre iguais, uma aliança que só funciona porque respeita os interesses soberanos dos países membros. É uma instituição fundamental para a sustentação do edifício democrático que caracteriza a nossa parte do globo.

A preservação da liberdade individual e dos direitos humanos transformara-se na grande preocupação após 1945, no rescaldo da Segunda Grande Guerra – sobretudo com a divisão da Europa em dois blocos antagónicos. Com o fim da Guerra Fria entrou-se num período de ingenuidades, num acreditar que a paz se havia tornado a peça-chave do xadrez político europeu. Vladimir Putin, sobretudo ele, veio, porém, lembrar-nos que a Europa dos canhões, dos tiros e das loucuras guerreiras continua a fazer parte da filosofia governativa de alguns. E que essa visão das relações entre os Estados se inspira numa interpretação imperialista, retrógrada e saudosista dos interesses das grandes potências, a começar pela grande Rússia. Foi isso que o levou às agressões contra a Geórgia, em 2008, e contra a Ucrânia, a partir de 2014. E à retórica bélica que hoje domina a narrativa que é produzida em Moscovo, incluindo nos debates e nos comentários divulgados pela vasta rede de propaganda ao seu serviço.

Assim, a Federação Russa de Putin transformou-se num emaranhado que assenta em três pilares: a abundância de matérias-primas, as indústrias da guerra e a propaganda contra as democracias ocidentais. Estes são os ingredientes que permitem ao regime de Putin constituir-se como uma ameaça existencial para o resto da Europa, bem como para os países da Ásia Central. E é aí que encontramos a justificação para a consolidação da NATO, na sua forma atual e nos seus limites geopolíticos. Putin lembra-nos que a NATO deve fundamentalmente focar-se na proteção da Europa e do Atlântico Norte.

É verdade que a Ucrânia não faz parte da NATO e que, por isso, um ataque contra a Ucrânia não deve ser comparado com uma qualquer outra aventura bélica que possa ocorrer contra um membro da Aliança. Não devemos esquecer, porém, que muitas vezes os conflitos começam na porta ao lado, como um teste à vizinhança. Ajudar um vizinho é não só um dever moral de solidariedade, como também um investimento vital na nossa própria tranquilidade.

A Europa democrática tem de repensar a sua política de segurança. Não pode continuar essencialmente dependente da força e da política norte-americana. Precisa, igualmente, de sair da fragmentação atual, nomeadamente no respeitante às indústrias de defesa. Os investimentos nacionais devem obedecer a um plano europeu que traga coerência e integre os esforços de cada um dos aliados.

O regresso ao serviço militar obrigatório é um debate bom para entreter políticos e comentadores inexperientes, e que interessará porventura a oficiais generais mais preocupados com números que com aptidões. Não é a maneira correta de olhar para o vigor das nossas forças armadas. Nas guerras de hoje e do futuro, os combatentes, todos e a começar pelos jovens soldados, têm de ser especialistas técnicos altamente formados. Precisamos de especialistas, mais do que de números. Isso pede profissionalismo, tempo e recursos financeiros. A mobilização em massa é um velho conceito, muito ao gosto de Putin, que manda para a frente de combate ondas sucessivas de homens, pouco mais que bons para serem dizimados. Por isso vai buscá-los às terras isoladas da Sibéria, aos quais junta jovens recrutados de modo enganoso no Nepal, na Índia, na Síria e noutros países. Não devemos seguir a mesma via. A Ucrânia ensina-nos que as tropas que contam são as que sabem criar instrumentos tecnológicos e operar aparelhos altamente sofisticados.

Preocupante é ver os atrasos na ajuda à Ucrânia. São mais longos do que nos querem fazer crer. Os responsáveis por essas demoras e hesitações estão a pôr o nosso futuro em risco. É altura de lhes dizer que deixem de falar no recrutamento de soldadinhos por seis meses ou um ano e que façam duas coisas essenciais: assegurar o apoio militar vital e urgente à Ucrânia e reequilibrar a NATO, de modo que o braço europeu possa corresponder melhor ao braço americano. É verdade que não teremos uma potência militar equivalente, mas temos de fazer mais e melhor, com um pensamento moderno, capaz de tirar vantagem da nova era digital, da abundância de informação disponível e dos progressos rapidíssimos no domínio da inteligência artificial.

QOSHE - A NATO e um número de desafios - Victor Ângelo
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A NATO e um número de desafios

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05.04.2024

A NATO completou esta semana 75 anos de existência. Sou dos que dizem e ainda bem, mesmo se sempre me identifiquei como um lutador pela paz, que foi o fio condutor da minha vida profissional, e como um defensor dos ideais progressistas. Embora se trate de uma organização militar e de haver uma enorme diferença entre as capacidades dos 32 Estados que a constituem, os seus objetivos são eminentemente de defesa e assim deve ser liderada: a política dirige as respostas militares. Guia-se pelo princípio de uma aliança entre iguais, uma aliança que só funciona porque respeita os interesses soberanos dos países membros. É uma instituição fundamental para a sustentação do edifício democrático que caracteriza a nossa parte do globo.

A preservação da liberdade individual e dos direitos humanos transformara-se na grande preocupação após 1945, no rescaldo da Segunda Grande Guerra – sobretudo com a divisão da Europa em dois blocos antagónicos. Com o fim da Guerra Fria entrou-se num período de ingenuidades, num acreditar que a paz se havia tornado a peça-chave do xadrez político europeu. Vladimir Putin, sobretudo ele, veio, porém, lembrar-nos que a Europa dos canhões, dos tiros e das loucuras guerreiras continua a fazer parte........

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