O novo mundo político em que, com relativo (e feliz) atraso em relação ao resto do mundo, acabámos de entrar representa uma forte tendência e uma perigosa tentação de cairmos num modelo político de bipolarização entre um centro democrático débil e com porosidade à sua direita em relação às exigências extremistas e uma extrema-direita autoritária, xenófoba e racista a levantar-se como única oposição e a cavalgar os previsíveis descontentamentos e dificuldades sociais. É o modelo que nos mostra a França de Macron e que se vai espalhando pela Europa.

O socialismo democrático tem, assim, de se definir claramente como oposição tanto à direita democrática, como à extrema-direita radical, sob pena de cairmos no caldeirão francês, que não é o de Obélix, mas é o do apagamento do socialismo e da esquerda do mapa político. É o que se vê já na Polónia, onde a única oposição aos conservadores clericais veio da direita liberal, porque deixou de existir esquerda.

A política em Portugal vai tornar-se, assim, interessante no sentido chinês do termo (“livre-nos o destino de enfrentarmos tempos interessantes”), porque uma bipolarização é sempre mais previsível do que este triângulo em que são possíveis só duas coligações e em que terá sempre de ponderar-se o mal menor.

Isolar a extrema-direita como inimigo principal, em lugar de a aliciar e acariciar, é o dever da direita democrática. Manter, como oposição responsável, a necessária alternativa às políticas da direita é o dever do socialismo democrático.

Resolver esta triangulação vai ser mais difícil do que fazer omeletes sem ovos. Que todos atuem com a máxima responsabilidade, entre os Cila e Caribdis de duas coligações indesejáveis, mas com o sentido de responsabilidade e de negociação que se tornam, neste momento, mais necessários do que nunca.

O cronista não é, nem quer ser, comentador político ou treinador de bancada, pelo que, conhecidas que são as suas opções, irá falar-vos de outras coisas durante as próximas semanas.

Com pena de não estar em Portugal na festa dos 50 anos do 25 de Abril, confesso que aceitei convites da Feira do Livro de Bruxelas, da comunidade portuguesa e dos nossos diplomatas em Estrasburgo, do Instituto Camões do Luxemburgo e da Gulbenkian em Paris, que vão preencher o meu mês de abril, numa volta à Europa, que farei de automóvel, seguindo sempre na internet as peripécias portuguesas.

Não me sinto um desertor, porque não estou em nenhuma frente de combate. Passar o 25 de Abril junto das nossas comunidades oferece-me uma continuidade sentimental a algum trabalho que, já na disponibilidade, realizei nos últimos anos, em torno das comunidades portuguesas no estrangeiro. E a Europa é a nossa casa comum.

Os ventos de guerra que sopram do Leste têm encontrado da nossa parte aquela alegre inconsciência que precede todas as catástrofes. Tusk, na Polónia, lembrava a animação de uma praia no Báltico em 1939, poucos dias antes da invasão alemã. Eu não esqueço o dia, no Verão Quente de 1975, em que todos estávamos convencidos de que ia estalar a guerra civil. Antes de passar à clandestinidade (o que nunca aconteceu), decidi ir ver os meus pais à Praia da Rocha, onde passavam férias. Quando vi a normalidade feliz e quotidiana de todos aqueles veraneantes na Praia da Rocha, pareceu-me impossível que surgisse uma guerra civil. E ela não veio, mas o perigo existiu.

O papel de Portugal tem sido de fidelidade às nossas alianças e de solidariedade com a Ucrânia cruelmente invadida. Mas tem sido sempre característica da nossa política externa e da nossa diplomacia estar do lado do realismo, do bom senso e da moderação.

Que eles prevaleçam!

QOSHE - No rescaldo dos dias - Luís Castro Mendes
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No rescaldo dos dias

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02.04.2024

O novo mundo político em que, com relativo (e feliz) atraso em relação ao resto do mundo, acabámos de entrar representa uma forte tendência e uma perigosa tentação de cairmos num modelo político de bipolarização entre um centro democrático débil e com porosidade à sua direita em relação às exigências extremistas e uma extrema-direita autoritária, xenófoba e racista a levantar-se como única oposição e a cavalgar os previsíveis descontentamentos e dificuldades sociais. É o modelo que nos mostra a França de Macron e que se vai espalhando pela Europa.

O socialismo democrático tem, assim, de se definir claramente como oposição tanto à direita democrática, como à extrema-direita radical, sob pena de cairmos no caldeirão francês, que não é o de Obélix, mas é o do apagamento do socialismo e da esquerda do mapa político. É o que se vê já na Polónia, onde a única oposição aos conservadores clericais veio........

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