Em 2007, passei alguns meses na Alemanha apresentando minha pesquisa "O corpo como capital na cultura brasileira" em diferentes universidades.

Quando entrevistei mulheres alemãs de mais de 50 anos, muitas me contaram que não existia mais sexo em seus casamentos. E que isso, para o casal, era considerado absolutamente normal e esperado em um relacionamento de muitos anos. O que o casal mais valorizava em seus relacionamentos eram o companheirismo, a amizade, as conversas, os interesses profissionais, intelectuais e culturais, a confiança.

Sobre a importância do sexo para o casal? Elas me disseram que o sexo não era tão relevante assim, dentro e fora do casamento. Elas eram fieis aos parceiros e acreditavam que eles também eram fieis a elas.

Pensei, naquele momento, que esse tipo de relacionamento seria inimaginável aqui no Brasil, já que, para grande parte dos casais que eu pesquisava naquele momento, o casamento não sobreviveria sem uma vida ativa e satisfatória. A não ser que o casal, principalmente o homem, fizesse sexo fora do casamento.

Na minha pesquisa atual, tenho encontrado cada vez mais, e não são poucos, casamentos sem sexo e que não são necessariamente infelizes ou insatisfatórios.

Muitas mulheres de mais de 50 anos me disseram que não fazem mais sexo com o parceiro. A pandemia agravou essa situação: a falta de tesão dentro dos casamentos parece ter sido uma outra epidemia. A preocupação com doenças e mortes, o isolamento e a convivência intensa, o medo e a incerteza, as questões políticas e econômicas, a violência e polarização dentro das próprias famílias, a exaustão e estresse com o trabalho foram uma espécie de bomba atômica nos relacionamentos. Casais que, antes da pandemia, tinham uma vida sexual frequente e satisfatória, pararam de transar por meses e até mesmo anos. Alguns, até agora, não conseguiram voltar a sentir vontade de fazer sexo com o parceiro. Será que irão voltar?

Algumas mulheres que entrevistei perderam completamente o desejo sexual, outras recorreram aos vibradores, vídeos pornôs e relacionamentos virtuais.

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Diferentemente das mulheres alemãs que entrevistei, as brasileiras demonstraram estar preocupadas e inseguras com a falta de sexo no casamento. Aqui a ausência de sexo é considerada um problema, uma doença ou até mesmo um fracasso do casamento.

Algumas me disseram que o problema não é a falta de sexo em si, já que estão satisfeitas de chegarem ao orgasmo com seus brinquedinhos. O maior problema para elas é o medo de serem traídas, rejeitadas ou abandonadas pelo parceiro. As dúvidas e inseguranças são o verdadeiro problema, não a falta de sexo em si. Elas não acreditam que um homem, especialmente na faixa dos 50 ou mais, pode viver sem sexo.

Algumas questionam os maridos e, apesar de eles responderem que também não estão sentindo falta de sexo, elas não acreditam, acham que eles estão mentindo. Para elas, os homens sempre querem fazer sexo.

"Por que meu marido não sente mais tesão por mim? Estou velha e feia? Será que não sou mais desejável e atraente? Será que ele sente tesão por outras mulheres mais jovens e bonitas? Será que ele vai me trair ou já está me traindo? Será que ele está interessado em outras mulheres? Como ele está se satisfazendo sexualmente? Será que ele se masturba assistindo a vídeos pornôs ou conversando virtualmente com outra mulher?"

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A falta de confiança e o fantasma da traição passam a ser o maior problema do casamento, afetando outras dimensões da vida conjugal. Se ele diz que quer sair com os amigos, ela fica desconfiada: "Será que ele quer mesmo encontrar com os amigos ou é uma desculpa para transar com outra mulher?". Se ele demora um pouco mais a chegar em casa depois do trabalho: "Será que ele está no trabalho mesmo ou está com a amante?".

Elas, não pela falta de sexo, mas pela insegurança e falta de confiança, passam a ficar obcecadas com o fantasma da traição. Acham que seus parceiros mentem quando dizem que não estão fazendo sexo com outras mulheres ou não estão com tesão. Para elas, a insegurança causada pela falta de confiança no parceiro é um problema muito mais grave do que a falta de sexo.

Como mostrei no livro "A arte de gozar: amor, sexo e tesão na maturidade", homens e mulheres alimentam o mito de que o Brasil é o país "campeão do sexo". E que, especialmente os homens, "só pensam nisso". Daí, como mostram os dados das minhas pesquisas, os homens serem mais infiéis do que as mulheres. Mas será que essa realidade está mudando?

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Os brasileiros são os campeões do sexo? Que bobagem!

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24.01.2024

Em 2007, passei alguns meses na Alemanha apresentando minha pesquisa "O corpo como capital na cultura brasileira" em diferentes universidades.

Quando entrevistei mulheres alemãs de mais de 50 anos, muitas me contaram que não existia mais sexo em seus casamentos. E que isso, para o casal, era considerado absolutamente normal e esperado em um relacionamento de muitos anos. O que o casal mais valorizava em seus relacionamentos eram o companheirismo, a amizade, as conversas, os interesses profissionais, intelectuais e culturais, a confiança.

Sobre a importância do sexo para o casal? Elas me disseram que o sexo não era tão relevante assim, dentro e fora do casamento. Elas eram fieis aos parceiros e acreditavam que eles também eram fieis a elas.

Pensei, naquele momento, que esse tipo de relacionamento seria inimaginável aqui no Brasil, já que, para grande parte dos casais que eu pesquisava naquele momento, o casamento não sobreviveria sem uma vida ativa e satisfatória. A não ser que o casal, principalmente o homem, fizesse sexo fora do casamento.

Na minha pesquisa atual, tenho encontrado cada vez mais, e não são poucos, casamentos sem sexo e que não são necessariamente infelizes ou insatisfatórios.

Muitas mulheres de mais de 50 anos me disseram que não fazem mais sexo com o parceiro. A pandemia agravou essa situação: a falta de tesão dentro dos casamentos parece ter sido uma outra epidemia. A preocupação com doenças e mortes, o........

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