No dia 5 de fevereiro, quando estava dando uma caminhada na praia de uma cidade perto do Rio de Janeiro, vi, de longe, cinco cachorros no meu caminho. Para não passar por eles, resolvi voltar para a casa onde estava hospedada. De repente, os cinco cachorros correram na minha direção, me cercaram e começaram a latir. Apavorada, não consegui reagir. Enquanto quatro vira-latas latiam e tentavam me atacar, um border collie mordeu minha coxa direita.

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Por um milagre, pois a praia estava deserta no final da tarde, um morador da cidade começou a gritar e com um pedaço de pau afugentou os cinco cachorros. Ele me contou que os mesmos cachorros tinham mordido duas crianças na semana anterior. Disse que a dona dos cachorros sempre deixava o portão da casa aberto para eles correrem soltos pela praia.

Voltei para casa com as marcas dos dentes do border collie, que continuam até hoje na minha coxa.

Dois meses depois, fiquei muito abalada quando soube que a escritora Roseana Murray, de 73 anos, foi atacada por três cachorros da raça pitbull na praia de Saquarema, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, bem pertinho da cidade onde sofri o ataque dos cães. A poetisa tem o hábito de fazer caminhadas por volta das 6 da manhã. No dia 5 de abril, os três pitbulls pularam o muro da casa vizinha e a atacaram. Ela foi arrastada por 5 metros e teve o braço direito dilacerado.

Moradores de Saquarema relataram que existiam registros de ocorrência porque os mesmos cães já atacaram outras pessoas. Os responsáveis pelos cães irão responder criminalmente por lesão corporal culposa, maus-tratos a animais devido às condições insalubres do local que abrigava os pitbulls e omissão na cautela de animais.

Wagner Brandão, especialista em comportamento animal, afirmou que o nível de lesões corporais sofridas pela escritora indica que os cachorros estavam com fome.

"Foi averiguado que esses cães viviam em estado inadequado. Os cachorros, além de arrancar o braço da escritora, comeram o braço. Com certeza, esses cães estavam com fome."

Roseana teve o braço direito amputado, perdeu uma das orelhas, e o braço esquerdo e os lábios precisaram ser reconstruídos. André Murray, filho da poetisa, contou que a recuperação da mãe está sendo um milagre (Encontro com Patrícia Poeta, 09/04/2024).

"De verdade, é um milagre ela ter sobrevivido a esse ataque. Ela já está falando, comendo, está lúcida. Sabe o que aconteceu e os desafios que ela tem que enfrentar daqui para a frente."

Imediatamente me lembrei do lindo poema de Roseana Murray: "Milagre".

"Como numa colcha

de retalhos,

os dias e as noites

se costuram

e nos levam

em suas horas,

secas ou caudalosas,

cavalos indomáveis.

Viver é o milagre

que nos guia"

Roseana escreve poesias para crianças desde a década de 1980. Ela tem mais de 100 livros publicados e recebeu prêmios da Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCA), da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e da Academia Brasileira de Letras (ABL).

"Fico muito feliz quando penso que um poema que escrevi aqui na minha mesa, sozinha, chega a lugares tão distantes e emociona tanta gente."

"Já me disseram que sou uma fábrica de poesia, e sou, porque para existir preciso escrever quase o tempo todo. As crianças sempre me perguntam: ‘Quando você vai parar?’. Se existir outra vida, nunca."

Não me canso de assistir no YouTube a um vídeo em que Roseana lê seu poema "Pedra Azul".

"Nos dias em que acordamos do lado do avesso

e tudo parece que vira abismo,

basta comprar no Armarinho Mágico

a pedra azul de mudar pensamentos.

Segure a pedra com força

e feito um moinho moendo palavras,

tristeza vira alegria

e dor vira poesia"

Sempre me emociono quando ela termina a leitura: "Então vamos aprender com essa pedra mágica, essa pedra azul, que a gente pode transformar tristeza em alegria e dor em poesia. É o que eu faço com os meus poemas".

Querida Roseana, estou rezando todos os dias para que você continue a transformar tristeza em alegria e dor em poesia. Afinal, "viver é o milagre que nos guia".

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'Viver é o milagre que nos guia', escreveu a poetisa Roseana Murray

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10.04.2024

No dia 5 de fevereiro, quando estava dando uma caminhada na praia de uma cidade perto do Rio de Janeiro, vi, de longe, cinco cachorros no meu caminho. Para não passar por eles, resolvi voltar para a casa onde estava hospedada. De repente, os cinco cachorros correram na minha direção, me cercaram e começaram a latir. Apavorada, não consegui reagir. Enquanto quatro vira-latas latiam e tentavam me atacar, um border collie mordeu minha coxa direita.

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Por um milagre, pois a praia estava deserta no final da tarde, um morador da cidade começou a gritar e com um pedaço de pau afugentou os cinco cachorros. Ele me contou que os mesmos cachorros tinham mordido duas crianças na semana anterior. Disse que a dona dos cachorros sempre deixava o portão da casa aberto para eles correrem soltos pela praia.

Voltei para casa com as marcas dos dentes do border collie, que continuam até hoje na minha coxa.

Dois meses depois, fiquei muito abalada quando soube que a escritora Roseana Murray, de 73 anos, foi atacada por três cachorros da raça pitbull na praia de Saquarema, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, bem pertinho da cidade onde sofri o ataque dos cães. A poetisa tem o hábito de fazer caminhadas por volta das 6 da manhã. No dia 5 de abril, os três pitbulls pularam o muro da casa vizinha e a atacaram. Ela........

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