Forças israelenses atiram contra civis desarmados numa fila em busca de suprimento para se alimentar, sem qualquer chance de defesa, provocando a morte de dezenas de pessoas. Segundo o Conselho de Direitos Humanos da ONU, dezenas de milhares de crianças se encontram órfãs ou separadas da família. Outras dezenas de milhares podem estar sob os escombros das edificações destruídas pelas forças militares de Israel. A ministra da igualdade do país, May Golan, declarou se sentir orgulhosa das ruínas de Gaza.

O massacre que ocorre em Gaza escancara a desproporcionalidade da incursão militar de Israel sobre o território palestino. O número de civis mortos não para de crescer, e evidencia que se encontra em curso algo não muito distante de ser classificado como um genocídio, se considerarmos o tamanho da população palestina que vive na estreita faixa de terra que pretendia um dia se tornar estado. Flexiono o verbo "pretender" para o pretérito imperfeito porque se nada for feito pela comunidade internacional a solução dos dois estados terá fracassado em definitivo.

A incursão de Israel devastou de norte a sul o território palestino. Rafah, a última fronteira, se desfaz sob intensos bombardeios. O número de civis mortos ultrapassa os 25 mil. Os crimes de guerra contra civis, em especial mulheres e crianças, estão documentados pelos poucos jornalistas e organismos internacionais que conseguem cobrir precariamente o massacre dos palestinos.

Um paralelo aceitável para o que ocorre em Gaza comparando com a nossa realidade seria se as forças policiais fizessem uma incursão para o resgate de um grupo de pessoas sequestradas e invadissem um bairro ou uma comunidade matando indiscriminadamente idosos, mulheres, crianças, ou seja, inocentes como os sequestrados, sem relação alguma com o evento que desencadeou a reação.

Se os crimes perpetrados pelo Hamas em Israel são abomináveis, o que o governo Netanyahu executa em Gaza sequer tem nome. Ou tem: limpeza étnica, genocídio.

Em meio à devastação promovida por Israel, mais lideranças têm se manifestado. A recente manifestação do presidente Lula sobre o que ocorre em Gaza, evocando um paralelo com o genocídio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial, foi recebida com indignação pelos meios de comunicação e até por setores progressistas da comunidade judaica.

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A reação me fez refletir sobre o monopólio da história e seus impactos e repercussões como evento sobre o coletivo humano. Se nos imaginarmos como parte de uma grande comunidade humana, o Holocausto diz respeito a todos nós. Assim como a memória da escravidão transatlântica, dos genocídios das sociedades autóctones e de todos os massacres do século 20, da Armênia a Ruanda, deve permanecer vivo para impedir que a barbárie se repita.

A memória viva da dor e da morte contra a comunidade judaica, em especial durante a ascensão do nazismo na Europa, deve ser evocada como um símbolo para impedir que o inominável ocorra. Por isso, não é demais recordar que os humanos são capazes de promover atrocidades quando envenenados pelo ódio ao diferente, quando desumanizam intencionalmente o outro com o propósito de aniquilá-lo.

A ação do governo Netanyahu sobre Gaza não diverge em natureza dos ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro. Os dois eventos se assemelham. A diferença é que o Hamas sozinho ainda não é capaz de perpetrar um genocídio. Israel, sim.

No poema "Filhos da Época", Wislawa Szymborska (traduzido no Brasil por Regina Przybycien), escreve: "O que você diz tem ressonância / o que silencia tem um eco".

Qualquer manifestação sobre um evento complexo como a questão israelense-palestina aponta para o risco de cometermos injustiças. Mas silenciar pode soar como conivência ao que parece ser a solução do governo de Israel para um conflito que se arrasta há décadas: aniquilar os palestinos.

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A solução de Netanyahu

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02.03.2024

Forças israelenses atiram contra civis desarmados numa fila em busca de suprimento para se alimentar, sem qualquer chance de defesa, provocando a morte de dezenas de pessoas. Segundo o Conselho de Direitos Humanos da ONU, dezenas de milhares de crianças se encontram órfãs ou separadas da família. Outras dezenas de milhares podem estar sob os escombros das edificações destruídas pelas forças militares de Israel. A ministra da igualdade do país, May Golan, declarou se sentir orgulhosa das ruínas de Gaza.

O massacre que ocorre em Gaza escancara a desproporcionalidade da incursão militar de Israel sobre o território palestino. O número de civis mortos não para de crescer, e evidencia que se encontra em curso algo não muito distante de ser classificado como um genocídio, se considerarmos o tamanho da população palestina que vive na estreita faixa de terra que pretendia um dia se tornar estado. Flexiono o verbo "pretender" para o pretérito imperfeito porque se nada for feito pela comunidade internacional a solução dos dois estados terá fracassado em definitivo.

A incursão de Israel devastou de norte a sul o território palestino. Rafah, a última fronteira, se desfaz sob intensos bombardeios. O número de civis mortos ultrapassa os 25 mil. Os crimes de guerra contra........

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