A natureza dos investimentos no exterior, sobretudo na América Latina, está mudando. Esta é a principal descoberta de um excelente relatório lançado na semana passada pelo Inter-American Dialogue, um think tank com sede em Washington.

Coordenada pela professora Margaret Myers, a pesquisa mostra que não só o valor investido tem caído consistentemente ao longo dos últimos anos —passando de uma média de US$ 14,2 bilhões entre 2010 e 2019 para US$ 7,7 bilhões durante a pandemia em 2020 e 2021, e finalmente US$ 6,4 bilhões em 2022—, como o perfil agora é outro.

Anteriormente vistos como praticamente a única alternativa viável na promoção de infraestrutura em países em desenvolvimento, os chineses estão cada vez menos expostos a riscos. A preferência agora é pelas chamadas "novas infraestruturas" (新基建), ou alta tecnologia, em bom português. Coisas como 5G, data centers, carros elétricos, tecnologia da informação, digitalização e robótica.

A estratégia está diretamente alinhada com o último plano quinquenal chinês, aprovado em 2020, mas faz parte de uma dinâmica muito maior. Depois de anos colocando dinheiro em projetos com governança e metas nada transparentes, Pequim começou a perder dinheiro.

Muito dinheiro jorrou na Venezuela, por exemplo, e desapareceu. No Equador, uma hidrelétrica financiada pelo Export Import Bank of China sob a bandeira da Iniciativa de Cinturão e Rota foi um enorme fracasso, com falhas estruturais óbvias aparecendo logo após sua inauguração e gerando uma crise de confiança na capacidade operacional de empresas chinesas.

A economia local não deu sinais tão fortes de recuperação desde a reabertura pós-Covid zero, o que também significou que há agora uma necessidade de repatriação de recursos anteriormente no exterior. O dinheiro que sobrou precisa ser bem aplicado: e agora há uma margem menor para erros.

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Vem daí a principal motivação de grandes investimentos, desta vez tocados pela iniciativa privada. Veja no Brasil, por exemplo. É verdade que ainda temos grandes estatais como a State Grid adquirindo lotes para distribuição de energia ou construtoras envolvidas em projetos de infraestrutura, como a ponte Salvador-Itaparica, mas investimento em bilhão mesmo está indo para outros setores.

O destaque são os carros elétricos, com as novas fábricas da GWM e BYD em Salvador e São Paulo, mas há dinheiro fluindo para áreas não tão óbvias como fintechs, pesquisa agroindustrial, 5G… Depois de conquistarem fatia significativa do mercado chinês, estas empresas não têm outra escolha se não crescer no mundo em desenvolvimento. E para nosso bem, seria bom que o governo brasileiro esteja prestando a atenção e planejando como melhor aproveitar o apetite chinês.

As sanções americanas, sobretudo na seara dos semicondutores, colocou a China em posição delicada. Vai ser necessário ralar muito para competir de igual para igual com grandes players ocidentais, alguns deles líderes em suas áreas de atuação há décadas. Há demanda para tecnologias que não careçam de propriedade intelectual americana. É hora de o Brasil ampliar o intercâmbio acadêmico, assinar acordos de pesquisa conjuntas, condicionar investimentos chineses à transferência de tecnologia.

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Desnecessário dizer que se a fonte chinesa para a construção de grandes obras secar, o Sul Global vai estar em maus lençóis. Não há clima político nos Estados Unidos, Canadá e Europa para ajudar parceiros em desenvolvimento nesse tipo de coisa. Talvez não seja exatamente o caso do Brasil, mas em vários dos nossos vizinhos, a saída do dinheiro chinês deve criar um vácuo de investimentos que arrisca colocar um freio no crescimento econômico.

É exatamente por isso que precisamos acompanhar essa transição. Aprender com os chineses, trazê-los para que compartilhem sua expertise, oferecer ajuda em projetos tecnológicos de grande monta. Nossa ambição não pode se restringir a aumentar exportações de soja ou milho, produtos de baixo valor agregado cujas fontes são relativamente fáceis de substituir. Na era da digitalização, vender grão é bom. Aprender a desenvolver e fabricar robôs, melhor ainda.

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China agora investe em alta tecnologia, e Brasil deve acompanhar transição

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10.02.2024

A natureza dos investimentos no exterior, sobretudo na América Latina, está mudando. Esta é a principal descoberta de um excelente relatório lançado na semana passada pelo Inter-American Dialogue, um think tank com sede em Washington.

Coordenada pela professora Margaret Myers, a pesquisa mostra que não só o valor investido tem caído consistentemente ao longo dos últimos anos —passando de uma média de US$ 14,2 bilhões entre 2010 e 2019 para US$ 7,7 bilhões durante a pandemia em 2020 e 2021, e finalmente US$ 6,4 bilhões em 2022—, como o perfil agora é outro.

Anteriormente vistos como praticamente a única alternativa viável na promoção de infraestrutura em países em desenvolvimento, os chineses estão cada vez menos expostos a riscos. A preferência agora é pelas chamadas "novas infraestruturas" (新基建), ou alta tecnologia, em bom português. Coisas como 5G, data centers, carros elétricos, tecnologia da informação, digitalização e robótica.

A estratégia está diretamente alinhada com o último plano quinquenal chinês, aprovado em 2020, mas faz parte de uma dinâmica muito maior. Depois de anos colocando dinheiro em projetos com governança e metas nada transparentes, Pequim começou a perder dinheiro.

Muito dinheiro jorrou na Venezuela, por exemplo, e desapareceu. No Equador, uma hidrelétrica financiada........

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