É nas costas do Mediterrâneo, que escrevo e leio a crónica de hoje.

Ouça aqui a opinião na íntegra

Numa cidade qualquer, caótica, confusa. Num bairro escuro e triste, onde muita gente deambula à procura, não da vida, mas da esperança de que ela seja melhor. Numa fé que teima em querer acreditar que aqui - mesmo no meio da pobreza que degrada - é melhor do que lá, de onde se fugiu.

Uma mãe de uma bebé de quatro meses. Veio do Burkina Faso. Terá atravessado desertos, maus-tratos, inclemência. Como ela, tantas mais vidas procuram aqui um lugar onde possam contribuir, trabalhar, viver. Uns refugiados, outros requerentes de asilo. Quem nada tem, tudo é mais difícil e mesmo já cá, parecem ainda tentar entrar. Outros não têm estas dificuldades.

Outrora um mar que uniu.

Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias

E os sinais disso mesmo são ainda hoje visíveis. Nos pequenos pastéis, as delícias que a Turquia reclama suas. Os gregos também. Os italianos o mesmo. No pão pita que israelitas reclamam como seu. Os palestinianos, também. Os tunisinos o mesmo. O azeite e as azeitonas, o tomate seco, as verduras e as leguminosas.

Não é só na dieta mediterrânica que somos iguais. Vejam-se os barcos, dos fenícios, aos gregos, aos romanos. Os traços de todos eles persistem hoje nas faluas do Tejo, nos moliceiros da Ria de Aveiro, em tantos barcos de pesca que circundam as margens de todo este mar entre terras e até no Atlântico.

Somos mais iguais que diferentes.

Mas teimamos em erguer muros que nos separem, em dizer discursos que nos discriminam. Em não acolher, em não ajudar, em não estender a mão a quem necessita.

Outrora uniu, algumas vezes à força de impérios. Agora, os impérios separam. É a fortaleza Europa, são as guerras, perseguições e a miséria nos países de origem. É a tortura na Líbia.

Tudo parece separar, desesperar. Tudo parece esforçar-se por fazer deste mar um mediterrâneo de margens impossíveis.

Outrora fonte de vida, civilização e encontro de culturas.

Hoje cemitério de vidas e da indiferença humana.

QOSHE - Mediterrâneo que une, mediterrâneo que separa - Pedro Neto
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Mediterrâneo que une, mediterrâneo que separa

4 0
25.11.2023

É nas costas do Mediterrâneo, que escrevo e leio a crónica de hoje.

Ouça aqui a opinião na íntegra

Numa cidade qualquer, caótica, confusa. Num bairro escuro e triste, onde muita gente deambula à procura, não da vida, mas da esperança de que ela seja melhor. Numa fé que teima em querer acreditar que aqui - mesmo no meio da pobreza que degrada - é melhor do que lá, de onde se fugiu.

Uma mãe de uma bebé de quatro meses. Veio do Burkina Faso. Terá atravessado desertos, maus-tratos, inclemência. Como ela, tantas........

© TSF Rádio Notícias


Get it on Google Play