Enquanto a democracia seguir sendo uma "democracia de partidos" e estes estiverem em crise – uma crise de influência na sociedade civil, de representação e de qualidade de quadros e dirigentes –,​ será a própria democracia que está em crise. E se a democracia está em crise, abrimos a porta para um tipo de democracia iliberal (palavras do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán) como aquelas que hoje, em plena UE, governam a Hungria e provavelmente em breve a Holanda.

A crise dos partidos é a crise da democracia. E se os partidos estão em crise, temos duas opções: ou bem que os reformamos, por dentro; ou deixamos que prossigam na caminhada suicida de lemmings para o abismo e nos deixamos afundar juntamente com eles e aceitamos a instalação de regimes populistas no lugar das nossas instituições e aceitamos viver em democracias mitigadas sem direito de expressão, imprensa livre, verdadeira competição eleitoral e num sistema de Justiça subjugado ao poder político à boa maneira nazi ou soviética.

Uma parte essencial da crise dos partidos advém do seu fechamento à sociedade civil. Segundo o Eurobarómetro, os portugueses são o povo que menos contacta com os políticos, contrastando com os países nórdicos onde essa percentagem ascende aos 20 por cento. E não é difícil fazermos nós próprios um teste empírico: quantos eleitos locais ou nacionais tem no seu círculo familiar ou de amigos? A maioria de nós responderá que nenhum e isso é significativo. Em Portugal, muito devido a notícias constantes de investigações judiciais muito mediatizadas, acabamos por concluir que a imagem pública da política é péssima. Isso afasta da política partidária todos aqueles que não cresceram numa família altamente politizada ou que não pertencem a uma das várias dinastias que hoje prosperam nos partidos de governo e que tanto contribuem para o seu fechamento e decaimento em partidos de dirigentes funcionando numa bolha cada vez mais fechada.

É preciso devolver aos partidos o seu carácter basista e retirar-lhes o funcionamento dentro de castas genéticas onde o ADN vale mais do que o mérito ou a capacidade de trabalho ou pensamento. A reforma dos partidos será a salvação da democracia da persistência do atual estado de coisas, a vitória da aristocracia e da transformação das eleições em plebiscitos em que cada vez menos cidadãos participam e onde os eleitos pertencem a círculos familiares cada vez mais restritos e previsíveis. Urge agir. Ontem. E nessa ação é vital estabelecer e reforçar a ligação entre eleitos e eleitores através de duas ferramentas já amplamente ensaiadas e testadas: eleições primárias para cargos uninominais (deputados, presidentes de câmara e junta) e a criação de círculos uninominais (de pequena dimensão e com sistemas de compensação que evitem a bipolarização do quadro representativo) que permitam criar a ligação entre eleitos e eleitores que hoje, manifestamente, não existe.

Em suma, a crise que assola os partidos políticos representa, na verdade, uma crise mais profunda na essência da democracia. Se persistirmos em uma democracia partidária em declínio, enfrentaremos o risco iminente de nos vermos envolvidos em formas de democracia iliberal.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

QOSHE - O fechamento dos partidos - Rui Pedro Martins
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O fechamento dos partidos

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27.12.2023

Enquanto a democracia seguir sendo uma "democracia de partidos" e estes estiverem em crise – uma crise de influência na sociedade civil, de representação e de qualidade de quadros e dirigentes –,​ será a própria democracia que está em crise. E se a democracia está em crise, abrimos a porta para um tipo de democracia iliberal (palavras do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán) como aquelas que hoje, em plena UE, governam a Hungria e provavelmente em breve a Holanda.

A crise dos partidos é a crise da democracia. E se os partidos estão em crise, temos duas opções: ou bem que os reformamos, por dentro; ou deixamos que prossigam na caminhada suicida de lemmings para o abismo e nos deixamos afundar juntamente com eles e aceitamos a instalação de regimes populistas no lugar das nossas instituições e........

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