Os resultados das eleições de domingo passado mostram que mais de três milhões e meio de eleitores votaram por dois partidos que se reclamam da social-democracia e que se apresentaram ao eleitorado com propostas diferentes, mas com programas eleitorais moderados e equilibrados.

Mas será que as propostas são tão diametralmente opostas como se procurou mostrar durante a campanha eleitoral?

Estes períodos de “caça ao voto” que caracterizam as campanhas eleitorais são propícios a que os partidos tendam a maximizar as diferenças e a minimizar as naturais convergências que existem necessariamente entre quem deveria colocar o interesse do país à frente dos interesses dos respetivos partidos.

É nesta linha de pensamento que eu não consigo entender como estes dois partidos podem conscientemente deixar criar no país um clima de tensão e de conflito permanente que parece estar a gerar-se por estes dias.

E tudo isto quando estão em causa valores e causas que nos deviam mobilizar para tentarmos encarar e solucionar os problemas que afetam uma grande parte das populações e dos eleitores que manifestaram nas urnas um descontentamento provocado por políticas que alguns consideram como pouco conseguidas em matérias com grande impacto na sua vida, como são os serviços públicos de saúde, de educação ou de criação de habitações acessíveis.

Vamos ficar nas mãos dos extremistas e dos radicais que, pelo menos por enquanto, ainda não apresentaram nenhuma proposta concreta para nada?

Queremos que os próximos anos sejam caracterizados por uma instabilidade permanente em torno das medidas propostas por um governo frágil que tem que negociar medida a medida sem nunca saber qual é a posição dos seus interlocutores?

Será que o entendimento entre PS e PSD só vai ser possível quando tivermos uma guerra que nos afete de forma significativa?

Não tenho grande paciência para estes políticos que só pensam em recuperar os eleitores perdidos em relação a eleições anteriores. Sim, porque tanto PSD como PS, o que andam é à procura dos eleitores perdidos, mas que se perderam porque estes mesmos partidos não foram capazes nem de satisfazer as expectativas desses eleitores, nem, muito menos, de lhes explicar quais eram os riscos que corre um país que vive de empréstimos externos e que para isso precisa de ter uma imagem de seriedade e de credibilidade junto dos mercados internacionais.

Sei que já tenho alguma idade e que sou portanto um apoiante incondicional da estabilidade e da moderação, mas também sou um entusiasta das mudanças e da inovação desde que estas sejam devidamente ponderadas e preparadas previamente.

Vivemos um momento de grande delicadeza tanto a nível interno como no plano internacional e portanto, mais do que nunca, precisamos de quem tenha a cabeça fria e a serenidade suficiente para distinguir o essencial do acessório. Se nos envolvemos com os radicais e os extremos receio bem que daqui por uns anos estejamos bem pior do que estamos hoje.

O país não precisa de ondas populistas. Precisa de políticos que percebam de onde vêm os problemas e quais são as razões por que há tantos eleitores descontentes. Sim, estes eleitores que se expressam contra o PSD e o PS estão zangados e esse estado de espírito foi percebido e aproveitado por aqueles que querem paulatinamente avançar para o poder cumprindo as regras da democracia para depois as violar, como sabemos da história do século XX.

Muitos receiam que um entendimento entre PSD e PS dê origem a um crescimento ainda maior dos movimentos radicais. Tal pode suceder se esse entendimento for mal construído, mas estou convicto de que se os acordos forem realizados como se têm feito na Alemanha entre a CDU e o SPD, ou seja com trabalho de casa sério e competente, as soluções encontradas para cada área da governação, poderão ser suficientemente eficazes para diminuir este estado de conflito permanente em que possivelmente vamos cair nos anos mais próximos se PSD e PS não se puserem de acordo, acordo este que não implica necessariamente uma coligação. Mas também não será suficiente ver um dos partidos deixar passar o governo não votando uma moção de rejeição.

Será impossível porem-se de acordo quanto ao aeroporto? E quanto ao problema da água? E quanto ao financiamento das Forças Armadas? E quanto às energias renováveis e à transição energética? E quanto à posição de Portugal relativamente à União Europeia? E quanto à gestão do SNS? E quanto ao estatuto dos profissionais de educação? E quanto ao investimento em investigação? E quanto às políticas de apoio à habitação de rendas acessíveis? E quanto aos défices orçamentais? E quanto ao ritmo de redução da dívida? E quanto aos apoios às empresa para aumentar a produtividade? E quanto ao crescimento das exportações?

Não acredito que seja impossível.

Os trabalhos apresentados recentemente pelos diversos grupos da Sedes são um bom exemplo dessa possibilidade.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

QOSHE - Não consigo compreender - Eduardo Marçal Grilo
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Não consigo compreender

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13.03.2024

Os resultados das eleições de domingo passado mostram que mais de três milhões e meio de eleitores votaram por dois partidos que se reclamam da social-democracia e que se apresentaram ao eleitorado com propostas diferentes, mas com programas eleitorais moderados e equilibrados.

Mas será que as propostas são tão diametralmente opostas como se procurou mostrar durante a campanha eleitoral?

Estes períodos de “caça ao voto” que caracterizam as campanhas eleitorais são propícios a que os partidos tendam a maximizar as diferenças e a minimizar as naturais convergências que existem necessariamente entre quem deveria colocar o interesse do país à frente dos interesses dos respetivos partidos.

É nesta linha de pensamento que eu não consigo entender como estes dois partidos podem conscientemente deixar criar no país um clima de tensão e de conflito permanente que parece estar a gerar-se por estes dias.

E tudo isto quando estão em causa valores e causas que nos deviam mobilizar para tentarmos encarar e solucionar os problemas que afetam uma grande parte das populações e dos eleitores que manifestaram nas urnas um descontentamento provocado por políticas que alguns consideram como pouco conseguidas em matérias com grande impacto........

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