Recentemente, tivemos oportunidade de nos depararmos com dados concretos (através de um estudo da Universidade de Coimbra, da equipa da investigadora Bárbara Gomes) acerca dos locais de morte em Portugal. Foi-me possível retirar desses números, sem surpresa, que infelizmente as condições continuam a não estar ao dispor de quem deseja falecer em casa.

Parece-me bastante preocupante que as pessoas não tenham, na realidade, muita opção de escolha. O hospital revela-se, em muitos casos, o único recurso de que as famílias dispõem em casos de doença grave e incapacitante e em que o doente necessita de cuidados permanentes e coordenados.

A escassez de equipas de cuidados paliativos domiciliários é com certeza uma das lacunas que impedem muitos doentes de morrer em casa. Estas equipas prestam apoio na gestão de sintomas, apoio à família e também ajudam os membros do núcleo familiar a perceber de que tipo de apoios extras terá de se munir para que o seu familiar possa ser tratado com dignidade em casa.

Por outro lado, este não me parece ser o único lapso para a concretização do cenário ideal em que os doentes que escolhem morrer nas suas casas possam ver essa vontade realizada.

Quando o doente necessita, numa fase avançada da doença, de cuidados permanentes para aspectos da vida diária, como a higiene ou a alimentação, estes cuidados têm de ser assegurados ou por um familiar/cuidador ou por alguém externo à família.

No primeiro caso, estamos perante outro entrave, no sentido em que o cuidador, mesmo sendo familiar, não dispõe de qualquer apoio. A nossa sociedade não contempla que um filho fique em casa a cuidar do pai, ou que um marido fique a cuidar da mulher porque esta tem uma doença incurável e progressiva. O estatuto do cuidador informal é um processo (demasiado) burocrático e que muitas vezes é mais demorado que o tempo de vida que resta aos doentes e familiares. Os familiares veem-se obrigados a recorrer a baixas médicas em seu nome, ficando com o seu ordenado substancialmente reduzido para que possam cuidar do seu familiar.

Isto porque as respostas sociais também não estão preparadas para esta realidade. As IPSS têm, nas grandes cidades, uma lista de espera para cuidados de higiene, e os seus serviços são pontuais. Muito longe dos cuidados e acompanhamento de que estes doentes necessitam.

Por outro lado, as empresas privadas de cuidadores são francamente inacessíveis à generalidade da população.

Para que as pessoas possam efetivamente morrer em casa, é necessário um trabalho concertado entre a ajuda social e a ajuda clínica das equipas especializadas, para que os cuidados prestados sejam efetivamente globais.

Se, para criar uma criança, é preciso uma aldeia, para que alguém morra em casa não é diferente.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

QOSHE - Morrer em casa? Com quem? - Catarina Gomes
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Morrer em casa? Com quem?

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10.01.2024

Recentemente, tivemos oportunidade de nos depararmos com dados concretos (através de um estudo da Universidade de Coimbra, da equipa da investigadora Bárbara Gomes) acerca dos locais de morte em Portugal. Foi-me possível retirar desses números, sem surpresa, que infelizmente as condições continuam a não estar ao dispor de quem deseja falecer em casa.

Parece-me bastante preocupante que as pessoas não tenham, na realidade, muita opção de escolha. O hospital revela-se, em muitos casos, o único recurso de que as famílias dispõem em casos de doença grave e incapacitante e em que o doente necessita de cuidados permanentes e coordenados.

A escassez de equipas de cuidados paliativos........

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