John Nash foi um dos mais brilhantes prémios Nobel da Economia. É o protagonista do filme Uma Mente Brilhante (A Beautiful Mind) que ganhou 4 Óscares. O trabalho dele é eminentemente matemático e prende-se com teoria dos jogos, nomeadamente jogos não cooperativos. A ideia é que os mecanismos de atuação concertada de agentes na sociedade não precisam de ser cooperativos. Ou seja, decisões que parecem concertadas entre as partes não precisam de ser combinadas antes.

A situação política nos Açores é neste momento um exemplo perfeito de um destes jogos não cooperativos, em que os jogadores são o PS Açores (PS) e o CHEGA Açores (CH). É mais ou menos evidente que não há qualquer mecanismo de cooperação ou conluio entre eles, mas também é evidente que estão os dois metidos no chamado dilema do prisioneiro.

PS e CH têm cada um duas alternativas individuais (repito que não em conluio): o PS ou viabiliza ou rejeita o Governo de Bolieiro e o CH está na mesma situação — ou viabiliza ou rejeita o Governo de Bolieiro. Isto resulta numa matriz de 4 cenários possíveis, aos quais Nash chama equilíbrios.

Primeiro cenário: PS e CH rejeitam ambos o Governo.

No primeiro cenário, perdem todos. Não há Governo, o Representante da República fica sem alternativa que não seja pedir a dissolução da nova Assembleia Regional e partir para novas eleições, com Bolieiro em gestão até lá. Ainda que os partidos da oposição possam alegar que isto tudo resulta da instabilidade gerada pelas opções do PSD Açores, a verdade é que Bolieiro e a sua Aliança ganharam as eleições e foram a clara preferência para governar o Arquipélago, mesmo que em minoria. Se a maioria dos deputados da Assembleia Regional não entendeu isso, então o Povo Açoreano deve ser chamado a explicar-lhes melhor o que pretende. Usualmente isso resulta num castigo para quem bloqueia e numa maioria confortável para quem foi bloqueado. Como sabiamente disse o ainda Primeiro-Ministro: “Quando se põe em causa os mandatos conferidos pelo Povo, está-se a pôr em causa a democracia.”

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A dúvida que existiria neste cenário era se PS ou CH mudariam de líderes. A mudarem, ou encontram um candidato fortíssimo que ninguém vislumbra neste momento, ou a mudança de líder ainda os prejudicaria mais. Este cenário é altamente prejudicial para ambos os jogadores, PS e CH. Nash chama a estes cenários equilíbrios instáveis.

Segundo cenário: PS viabiliza o Governo e CH rejeita; terceiro cenário, o inverso acontece, ou seja, CH viabiliza o Governo e PS rejeita. Nos segundo e terceiro cenários, um dos jogadores rejeita o Governo, mas este é viabilizado pelo outro jogador. É a jogada ótima para o jogador que rejeita, mas é muito má para o que viabiliza.

No segundo cenário, a “fava” da viabilização cabe ao PS Açores. Seria uma jogada que contrariaria completamente a estratégia do PS nacional para as legislativas e coloca Vasco Cordeiro com o ónus de quebrar a polarização que Costa inventou entre direita e esquerda, quando criou uma linha vermelha entre PS e toda a direita. Quem não se lembra de Pedro Nuno Santos em 2017 a dizer que “o PS não precisa, nunca mais, da direita para governar”? Se isto acontecer, Cordeiro ficará um bocado como o Pequeno Herói de Haarlem, a lenda holandesa do menino que segurava o dique, pondo o dedo no furo do muro. Cordeiro abriria um furo no muro criado por Costa e que Pedro Nuno Santos apoia, mas fica lá com o dedo preso, para que a estratégia não desmorone de vez.

No terceiro cenário, é o CH que viabiliza sozinho o Governo de Bolieiro. Este cenário parece que é a confirmação de o que “não que é não” afinal acaba em sim. Acontece que Bolieiro e Montenegro estabeleceram as regras do jogo no início em não haver concessões ou negociações com o Chega. Esse é que o “não que é não”. Se qualquer partido, seja ele qual for, resolver viabilizar o Governo minoritário, isso não os torna coligados ou lhes garante lugares no executivo. Simplesmente é um voto de viabilização.

Claro que isso seria também um desmoronar daquilo que Ventura e o próprio líder regional do CH definiram como estratégia para esta eleição: só aprovar algo em que sejam parte ativa. Daí as declarações de Ventura na noite eleitoral e mesmo nos debates, em que ele insinua estarem a decorrer conversações. Está manifestamente a tentar condicionar o líder regional a não viabilizar o Governo. Ou seja, Ventura tenta também colocar o ónus de Pequeno Herói de Haarlem em José Pacheco, o líder do Chega Açores.

Quarto cenário, ambos viabilizam o Governo.

O quarto cenário seria o da viabilização do Governo de Bolieiro por ambos os partidos em simultâneo. Embora completamente insólito, é o cenário que configura surpreendentemente o verdadeiro Equilíbrio de Nash, o equilíbrio estável. Seria o equilíbrio que anularia ambos os partidos PS e CH na crítica a fazer mutuamente, seja de viabilizarem um Governo do PSD, seja de o inviabilizarem. Seria a única opção que deixaria aos dois a possibilidade de, paradoxalmente, ficarem ambos na oposição a Bolieiro, uma vez que a viabilização simultânea mais facilmente seria entendida como uma mera viabilização e não como uma coligação. Bolieiro é que teria uma responsabilidade acrescida de governar com razoável estabilidade, orçamento a orçamento, até voltar a haver eleições. Seria igualmente o que permitiria a ambos os jogadores alegar que eleições sistemáticas não são desejáveis e que tomaram uma opção responsável. Por mais paradoxal que pareça, é a solução mais estável, mas essa é a beleza dos Equilíbrios de Nash. Este equilíbrio só parece paradoxal, porque ele é precisamente o que Nash antecipou: não é cooperativo.

No meio disto tudo, não falámos do jogador principal: Bolieiro, que neste jogo é completamente passivo. A Bolieiro foi preciso ganhar uma eleição complicada numa jogada anterior para chegar a esta fase do jogo. A estratégia anterior acaba por validar muitas das ideias de Montenegro para a eleição nacional. Desde logo, a aliança com o CDS acrescentou valor eleitoral em quase todos os círculos. Depois, a própria aliança com o PPM, que nos Açores elegera dois deputados regionais antes. Seria catastrófico nesta eleição, se agora ainda houvesse mais um jogador a contribuir com dois deputados fora da coligação de Governo.

Mas onde foi notório o alinhamento de Bolieiro e Montenegro foi na noite de Domingo e é agora no momento pós-eleitoral. Os dois são jogadores passivos à espera que os prisioneiros resolvam o seu dilema, tendo ambos o incentivo de que a jogada seja feita o mais rapidamente possível.

Tem a palavra o Representante da República.

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As aventuras de John Nash nos Açores

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09.02.2024

John Nash foi um dos mais brilhantes prémios Nobel da Economia. É o protagonista do filme Uma Mente Brilhante (A Beautiful Mind) que ganhou 4 Óscares. O trabalho dele é eminentemente matemático e prende-se com teoria dos jogos, nomeadamente jogos não cooperativos. A ideia é que os mecanismos de atuação concertada de agentes na sociedade não precisam de ser cooperativos. Ou seja, decisões que parecem concertadas entre as partes não precisam de ser combinadas antes.

A situação política nos Açores é neste momento um exemplo perfeito de um destes jogos não cooperativos, em que os jogadores são o PS Açores (PS) e o CHEGA Açores (CH). É mais ou menos evidente que não há qualquer mecanismo de cooperação ou conluio entre eles, mas também é evidente que estão os dois metidos no chamado dilema do prisioneiro.

PS e CH têm cada um duas alternativas individuais (repito que não em conluio): o PS ou viabiliza ou rejeita o Governo de Bolieiro e o CH está na mesma situação — ou viabiliza ou rejeita o Governo de Bolieiro. Isto resulta numa matriz de 4 cenários possíveis, aos quais Nash chama equilíbrios.

Primeiro cenário: PS e CH rejeitam ambos o Governo.

No primeiro cenário, perdem todos. Não há Governo, o Representante da República fica sem alternativa que não seja pedir a dissolução da nova Assembleia Regional e partir para novas eleições, com Bolieiro em gestão até lá. Ainda que os partidos da oposição possam alegar que isto tudo resulta da instabilidade gerada pelas opções do PSD Açores, a verdade é que Bolieiro e a sua Aliança ganharam as eleições e foram a clara preferência para governar o Arquipélago, mesmo que em minoria.........

© Observador


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