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O Circo Tiririca

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28.11.2025

Por estes dias, o alvoroço tomou conta do mundo mediático e político português. Em período de excitação democrático-partidária em curso, os poderes que são adaptam-se, os jornalistas, sob os habituais frémitos de entusiasmo, gritam e correm atrás da constante novidade e as massas dividem-se, vestindo camisolas e fazendo claque pela equipa favorita. Naturalmente, perante tal sururu, umas eleições presidenciais vêm mesmo a calhar: ao governo, que assim passa despercebido e menos tem que fazer, aos poderes que são, que mais acicatam para ainda melhor vir a reinar, e às audiências que, perante o circo montado, quanto mais não seja por mórbido prazer, não descolam os olhos do ecrã. É a festa da democracia, dizem-nos.

Mas poderia perfeitamente ser outra coisa qualquer, desde que assente em espectáculo garantido, apoio fervoroso, clubismo fidelíssimo e a leve sensação que, no fim, ganhe quem ganhar, no que concerne a vida prática e quotidiana das pessoas, tudo ficará mais ou menos na mesma. Ainda assim, a coisa anuncia-se como essencial, uma luta gloriosa, um espectáculo que ninguém pode perder — tal qual o campeonato do mundo de futebol que aí vem. Aliás, também aqui as hostilidades abrem com o sorteio dos grupos, no caso traduzido no extensíssimo calendário dos frente-a-frente, um eufemismo para frete-a-frete, onde, em 28 infindáveis ocasiões, os candidatos do gosto dos manda-chuva da TV (os outros, mais de 10, ficaram de fora) medem forças, exibem habilidades e, sem rede, em directo, cabriolam no ecrã ansiando pelo selo de aprovação popular.

No final, é um espectáculo ao nível de um combate de boxe singular onde a parte intenta esmurrar a contra-parte, mas de forma especial, sem que o golpe lhe custe algum potencial embaraço, desgosto, mágoa ou qualquer repugnância no eleitorado que, esse sim, ao contrário do adversário que apenas faz figura de corpo presente, pretende alcançar, mover, comover ou abraçar. O verdadeiro debate não é, portanto, um debate, mas sim dois comícios onde, à vez, e fingindo conversar, regatear ou rebater, cada qual, com mais ou menos engenho, procura “fazer passar a sua mensagem”. Daí que se debata pouco e esclareça menos ainda, ou seja, nada.

O equilíbrio nos próprios pés é, portanto, mais importante do que verdadeiramente contundir o adversário — é que naquele ringue estão também todos os outros concorrentes que, após os comentários dos especialistas, usarão os golpes de cada interveniente para seu proveito próprio. Ora, falar bem, asseverar, garantir, acalmar, tudo isso é importante, mas desde que não se deixe o proverbial traseiro entalado em posição demasiado fixa ou comprometedora: há que ser fluído, mas não demais; ser e não ser a favor, mas sendo em parte a favor e noutra contra; condenando “firmemente”, mas apoiando naquilo que foi “bem-feito”; no fundo, mal e bem-dizer, mas sem falar — é fino, muito fino, o arame do trapezista.

Tudo porque o presidente “de todos os portugueses” é, ou imaginava-se que deveria ser, a epítome da neutralidade, da superioridade moral e ética face à disputa e trica comezinha, ao ruído partidário, àquela arena sórdida e emporcalhada onde a política se faz, mas........

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