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A geração de 68

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Frank Zappa, com pertinência, lembrava, ao bom estilo “criativo”, “não-conformado” dos anos 70, que sem nos desviarmos da norma o progresso não é possível. De facto, é uma evidência. Um sistema rígido, estático, altamente burocrático, não permite a criatividade e a inovação. Aliás, tanto assim é que é essa a primeira razão pela qual o planeamento central, o socialismo e o estatismo, seja em que variante for, inevitavelmente falha: cristalizado na norma, não consegue adaptar-se a um mundo que necessariamente vive em constante mudança. Ora, como sabemos já desde Darwin, aquilo que não se adapta, morre.

A este propósito, não deixa de ser curioso o paradoxo cultural que ocorreu no Ocidente no espaço de uma geração, em particular a dos jovens de 68. Então, à esquerda, louvava-se o não-conformismo, a irreverência, a rebeldia, lutando contra o sistema que se imaginava “opressor”, ou seja, a tal norma da qual era urgente desviarmo-nos para se permitir o “progresso” e, com ele, a solução política futurística que, cumprindo o sonho Kantiano, haveria de trazer abundância, harmonia, paz e segurança, para sempre.

No entanto, e desde logo revelando a enorme contradição intelectual em que essa geração sempre se enrodilhou, no que concerne a economia, a sociedade, a política, essa mesmíssima esquerda sempre apoiou a estrita norma, pior ainda, a edificação constante de colossos administrativos que, em nome do tal progresso que prometiam às massas, por trás, aniquilavam o menor vislumbre de inovação, afundando todo e qualquer desvio num oceano de carimbos, clips, agrafos e dossiers.

O grande segredo que toda a gente sabe e ninguém fala é que, hoje, essa esquerda triunfou. Triunfou de uma forma brutal, total, hegemónica. E, precisamente porque se tornou culturalmente impositiva, nem lhes ocorre que a norma contra a qual constantemente vociferam é aquela criada por ela própria. Ou seja, a verdade escondida com o rabo de fora, aquela verdade que se vai revelando agora — motivo pelo qual a constatação “anti-sistémica” passou para a “extrema-direita” e os blocos da vida se afundam em irrelevância eleitoral —é que a antiga esquerda libertária, revolucionária, idealista, é agora, em boa-verdade, o famigerado “sistema”, o sistema resultante da tal vitória cultural, social, hoje totalitária, dessa geração rebelde de 68.

Apenas que ao contrário do imaginário infantil pseudo-rebelde, essa vitória retumbante não apareceu com armas, nem concertos, nem sequer manifestações ou qualquer espécie de “activismo” como aquele que sobeja hoje por aí, a soldo, de iPhone nas mãos e All Stars nos pés — aliás, até que resultou, mas apenas indirectamente. Na prática, triunfou pela mesma razão que qualquer mudança é sempre inevitável: no mundo, como Heraclito lembrava, a vida é como um rio na medida em que nunca se entra na mesma água duas vezes — uma metáfora que procura relembrar que, no caso dos homens, os pais morrem e depois vêm os filhos. Assim, a seu tempo, os jovens revolucionários e idealistas, ainda para mais........

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