Na imprensa europeia, muito se tem falado do crescimento da extrema-direita, conforme se tem verificado noutros países da Europa e do Mundo, que acompanhou a viragem à direita nas eleições legislativas de 2024 em direção a um cenário de instabilidade governativa em Portugal.

A noite eleitoral de 10 de março manteve todos sob tensão até aos últimos minutos, num clima de incerteza pouco habitual. A AD vence, de forma muito sofrida, as eleições. No entanto, os olhares viraram-se para a surpresa mais aguardada da noite: o resultado histórico do Chega, que obteve 18,1% dos votos, mais de um milhão de eleitores, quadruplicando o número de deputados e consolidando-se como a terceira maior força política do país.

No rescaldo das eleições, o PS sai como principal derrotado e não consegue uma solução governativa à esquerda, com Pedro Nuno Santos a confirmar a sua ida para a oposição. O ADN, de Bruno Fialho, é o fenómeno inusitado da noite. A redução da taxa de abstenção para 33,8%, a mais baixa desde 1995, surge como um dos poucos aspetos positivos a destacar, mas que, ironicamente, também estará ligada, de forma muito provável, à subida do Chega. Por sua vez, a IL continua sem passar da cepa torta, mesmo que não se encontre totalmente fora do jogo, dificultando uma ainda possível influência na governação. Entretanto, o líder da AD espera pela indigitação de Marcelo Rebelo de Sousa para começar a governar, só que ainda não se sabe muito bem como ou em que moldes.

Ao fim e ao cabo, o processo não foi proveitoso e está criado o obstáculo à estabilidade política do país: a AD precisa do Chega para a formação de uma maioria sólida à direita e a viabilização de um Governo minoritário liderado por Luís Montenegro, com ou sem IL, está dependente do PS, cujo programa é incompatível com o apresentado pela coligação de centro-direita. Neste contexto, um Governo da AD( IL) padece de um certo grau de incapacidade a nível funcional, agravado pela recusa insistente de Montenegro em governar ou dialogar com a extrema-direita, o que o deixa, previsivelmente, à mercê das negociações com o PS para conseguir aprovar Orçamentos de Estado.

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Independentemente daquilo que possa vir a acontecer, uma solução que aponta para uma governação solitária da AD, que reúna condições de governabilidade, não é algo que tenha morrido à nascença; terá é a vida bastante dificultada no que respeita à execução do seu programa. De facto, o desfecho das legislativas exige vigor na ação governativa de Montenegro, que, a ser Primeiro-Ministro, tem de se despachar na conquista de popularidade rumo a uma base eleitoral fiel. Mas não é uma missão impossível.

Como já se tem ouvido, o PSD é, hoje, o partido mais apto a governar nestas circunstâncias, tendo em conta o seu posicionamento no sistema político. Embora não seja o esquema perfeito, podemos considerá-lo, de longe, a melhor opção. Prevê-se que o líder da AD queira agarrar o leme, com ou sem tempestade, concentrando-se nas mudanças que pretende e consegue implementar autonomamente, apesar da questão da apresentação de um Orçamento Retificativo ter ficado, para já, em aberto.

No xadrez político, se a AD optar por governar dentro dos limites do atual Orçamento, o pico de tensão ocorrerá dentro de aproximadamente 6 meses, com a apresentação do Orçamento de Estado para 2025, sobre cuja viabilidade tanto Pedro Nuno Santos como André Ventura já manifestaram dúvidas. Montenegro está consciente do elevado risco de rejeição da proposta de Orçamento. Contudo, foi rápido a perceber que esse desenlace depende, com algumas nuances, de uma “aliança negativa” entre o PS e o Chega, pelo que terá agora de fazer uma boa gestão e saber responsabilizar os dois principais partidos da oposição por frustrarem um Governo que tem, obrigatoriamente, de ser competente.

Do outro lado, há quem não se importe nada com o escalar da instabilidade. Na mais recente entrevista à TVI e à CNN, ficou bem visível que André Ventura já está a preparar-se estrategicamente para os potenciais shifts no panorama político português. Primeiro, apressou-se a abrir a mesa de negociações em direto. Depois, deixou tudo em suspenso, considerando, até, a hipótese de apresentar uma moção de rejeição ao programa do Governo. Pelo meio, pressionou a AD e Montenegro com as questões orçamentais, caso em que, se não houver um mínimo de abertura para negociação, votará contra qualquer Orçamento, por não ir ao encontro das suas demandas.

O líder do Chega demonstrou, mais uma vez, não ter medo de explorar todas as oportunidades, ainda que o possam conduzir a novas eleições. Para André Ventura é tudo muito simples: uma solução da AD ou do PS seria indistinguível, servindo apenas para perpetuar a governação socialista no país. Esta sua capacidade de criar uma narrativa favorecedora do seu partido, mesmo na eventualidade de provocar a queda de um Governo de centro-direita, vai revelar-se imprescindível se quiser reverter quaisquer efeitos penalizadores.

Por seu turno, o secretário-geral do PS aproveitará esta fase para construir uma nova maioria. No seu discurso ao final da noite, Pedro Nuno Santos antecipou a derrota por forma a evitar a situação em que (se) colocou Luís Montenegro e que, aliás, lhe poderia vir a ser desfavorável, enquanto se espera pelos resultados das eleições nos círculos da emigração. Ao afirmar o seu empenhamento em liderar a oposição, teve como objetivo impedir o Chega de ganhar terreno político, negando-lhe a oportunidade de reivindicar esse espaço. Simultaneamente, ao rejeitar suporte parlamentar a um Governo liderado pela AD, sinalizou ao centro-direita que há limites à cooperação que devem ser respeitados e procurou, possivelmente, forçar uma eventual aproximação da AD ao Chega e, assim, beneficiar de um ciclo, à partida, menos vantajoso.

Na avaliação do quadro mais provável, a AD é quem enfrenta os maiores desafios, estando mais dependente do sucesso da sua estratégia de Governo minoritário. Afastada que está a criação de um Bloco Central, com a aprovação de uma moção de rejeição pela oposição, poderão desencadear-se eleições antecipadas, levando o Presidente da República a dissolver novamente a Assembleia, entre outubro e meados de 2025.

Na hipótese de se manter em funções um Governo minoritário da AD até às eleições presidenciais de 2026, o principal beneficiário dos balanços que se seguirão será, presumivelmente, o PS, que conta, ao que tudo indica, com um candidato fortíssimo: António Guterres. Enquanto isso, o Chega continuará a cavalo de uma tendência generalizada a que Portugal não é exceção.

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O Xadrez de Pirro

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15.03.2024

Na imprensa europeia, muito se tem falado do crescimento da extrema-direita, conforme se tem verificado noutros países da Europa e do Mundo, que acompanhou a viragem à direita nas eleições legislativas de 2024 em direção a um cenário de instabilidade governativa em Portugal.

A noite eleitoral de 10 de março manteve todos sob tensão até aos últimos minutos, num clima de incerteza pouco habitual. A AD vence, de forma muito sofrida, as eleições. No entanto, os olhares viraram-se para a surpresa mais aguardada da noite: o resultado histórico do Chega, que obteve 18,1% dos votos, mais de um milhão de eleitores, quadruplicando o número de deputados e consolidando-se como a terceira maior força política do país.

No rescaldo das eleições, o PS sai como principal derrotado e não consegue uma solução governativa à esquerda, com Pedro Nuno Santos a confirmar a sua ida para a oposição. O ADN, de Bruno Fialho, é o fenómeno inusitado da noite. A redução da taxa de abstenção para 33,8%, a mais baixa desde 1995, surge como um dos poucos aspetos positivos a destacar, mas que, ironicamente, também estará ligada, de forma muito provável, à subida do Chega. Por sua vez, a IL continua sem passar da cepa torta, mesmo que não se encontre totalmente fora do jogo, dificultando uma ainda possível influência na governação. Entretanto, o líder da AD espera pela indigitação de Marcelo Rebelo de Sousa para começar a governar, só que ainda não se sabe muito bem como ou em que moldes.

Ao fim e ao cabo, o processo não foi proveitoso e está criado o obstáculo à estabilidade política do país: a AD precisa do Chega para a formação de uma maioria sólida à direita e a viabilização........

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