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O professor não acaba na era da IA: tem de ser reconstruído

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tuesday

Na Universidade de Évora, a 12 de dezembro, numa mesa-redonda, onde participei, com um título que parecia pedir um novo cartão-de-visita “IA e Educação Digital: um novo perfil de docente?”, ficou claro que há perguntas que já não são do futuro. São do presente, só que com atraso administrativo. Nos textos que preparei para essa intervenção, escrevi que a IA não vai substituir o professor, mas vai, isso sim, obrigá-lo a ser reconstruído por dentro relativamente à forma como planeia, pergunta, avalia, comunica e decide.

A ironia é que o sistema educativo ainda fala, muitas vezes, como se a mudança fosse opcional, usando expressões como “vamos ver”, “vamos acompanhar”, “vamos criar um grupo de trabalho”. Entretanto, a sala de aula já mudou. E mudou sem pedir autorização. Entre 2023 e 2024, num relatório produzido pela National Literacy Trust, é mostrado que a percentagem de jovens (13–18) que dizem ter usado IA generativa passou de 37,1% para 77,1%. Um em cada cinco admite que, nos trabalhos de casa, copia o que a IA lhe dá (20,9%). E, talvez ainda mais inquietante, há quem nem confirme se aquilo está certo: 20,6% dizem que não verificam as respostas; 39,9% verificam porque “pode estar errado”. Isto não é uma anedota sobre preguiça juvenil, é um retrato de risco pedagógico. O problema não é o aluno usar IA. O problema é a escola continuar a fingir que a literacia para a usar, e para a contrariar, aparece por osmose.

Enquanto isso, a profissão docente está a ser pressionada por duas frentes ao mesmo tempo, a tecnológica e a demográfica. No “Estado da Educação 2024”, o Conselho Nacional de Educação mostra que “Projeções nacionais e internacionais quantificam a magnitude da renovação necessária, indicando que dos cerca de 122 000 docentes ativos em 2024/2025, apenas 76 000 permanecerão em funções, o que representa uma quebra de 37% na oferta, exigindo o recrutamento de, aproximadamente, 3 800 novos docentes por ano, até 2034/2035.” E há um detalhe que devia ser repetido em voz alta em qualquer aula de políticas educativas: em 2023/2024, ficaram por preencher 1 280 vagas de mestrados profissionalizantes em ensino, num total de 3 838, cerca de 33%. Ou seja, mesmo antes de discutirmos IA, já estamos a discutir escassez. E a escassez, quando encontra tecnologia, tende a produzir tentações perigosas, tais como, automatizar à pressa, comprar soluções “chave-na-mão”, transformar educação num serviço com interface bonita e interior opaco, ou até “dar a cada aluno um tutor de IA que ouve, orienta e inspira a sua aprendizagem”.

Quem imagina que este cenário se........

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