Passos Coelho será nos próximos dias acusado de defender a vida, a identidade, a família e a liberdade responsável, essas monstruosidades que são os pilares fundamentais das sociedades decentes (conceito de Orwell, Camus, Hanna Arendt).

Destaco a coragem pessoal, moral e intelectual de Passos Coelho (P.C.) por dar a cara, mais uma vez, agora por um livro, “Identidade e Família”, que aborda uma visão do homem e da sociedade que não segue os dogmas totalitários da “sociedade liquida” e do pensamento único do presente. P. C. tem uma imagem pública e sabe que será atacado de modo sórdido, mas escolheu o caminho mais difícil, entre o agradar aos defensores dos dogmas do politicamente correcto e defender valores fundamentais, não hesitou. Surgem já reacções regurgitando os repetitivos ‘slogans’ da propaganda e ataques de carácter, que se trata de uma agenda ultra-conservadora, reaccionária, tradicional, etc. Curioso como a designação de tradicional tornou-se negativa. Hoje, defender a família, a base primordial das sociedades, implica ser considerado infra-humano. Na verdade, não há família, nem valores tradicionais, há sim família e valores, e projectos anti-familia e anti-valores.

Serei sempre crítico da entrega da soberania nacional aos mercados e daquilo em que esta União Europeia se transformou e por isso P.C. falhou nas cedências aos mercados, mas este seu acto como outros que tem efectuado, demonstram o seu carácter como pessoa e a sua coragem moral.

Este episódio é ilustrativo por um motivo caseiro, o ódio de um certo tipo de gente e poderes à pessoa de Passos Coelho e outro motivo, mais profundo, as máscaras do progressismo.

Sobre o próprio livro, dizer que não concordo com várias posições de alguns dos autores (refiro-me a outros textos deles), mas refiro a importância incontornável de enfrentar esses temas com liberdade, pensamento crítico e contraditório, pois está em causa a nossa sobrevivência como seres humanos.

O problema é decisivo e importa identificar o que está subjacente ao ataque imediato e feroz, a tudo o que defende a pessoa e ao que funda o melhor das sociedades humanas. A quem serve, na verdade, a esquerda considerada bem-pensante e os liberais progressistas?

O que está em causa é o projecto antropológico de desenraizamento em curso que é hostil ao homem e à humanidade. Uma grande parte dos nossos políticos, intelectuais e jornalistas deixaram de perceber ou querer perceber essa evidência. Um mundo regido pela ideia de economia mundo e o uso de uma nova tecnologia sem o saber das suas finalidades levará ao nosso colapso e alguns de nós trilham alegremente esse caminho.

O progressismo assenta nessa antropologia e num trabalho de desidentificações sucessivas, desde a nossa constituição sexual e sexuada até à nossa cultura e história. Não se trata, portanto, de um qualquer progresso, mas da sua negação. A destruição da família e a teoria do género são peças desse projecto de desenraizamento. A ideia de um ser humano sem laços, sem vínculos, sem identidade, sem pertença, entregue apenas uma falsa ideia de liberdade individual absoluta, em que a subjectividade é o único critério de realidade e verdade, transforma-nos num individuo mais frágil e a mercê de qualquer tipo de totalitarismo, o objectivo desta nova engenharia social.

A ideologia do género e a destruição da centralidade da família nada tem a ver com tolerância, igualdade e respeito pelas diferenças, mas com a imposição ideológica de experimentos contra a realidade como o tentaram fazer os totalitarismos do século XX. A ideia de emancipação foi adulterada e recoberta como desvinculação, desfiliação e desenraizamento das nossas bases fundamentais. Como refere Michel Houllebecq, o casamento e a família representam a últimas “comunidades” que separam o homem do mercado.

Em traços genéricos, qual é a origem do poder do progressismo?

Como refere Berenice Levet, a obsolescência programada dos objectos pelo “grande capital” assenta na programação da obsolescência das nossas maneiras de viver, da educação e da cultura…. A ideia de um mundo sem limites e sem identidades, sejam elas sexuais, culturais, nacionais, sem fronteiras, é crucial para a ideia do mundo concebido como um único mercado regido pelo poder global de grandes corporações.

O laboratório societal do progressismo e a sua ideia de novo homem e sociedade tem a sua base nessa ideia económico-financeira que deve predominar na organização da vida humana, as sociedades mercado. É dessa dinâmica económica que devem derivar todas as regras da nossa existência. Ora, olhando apenas para o mundo pela perspectiva da economia, a nossa dimensão ética, os nossos valores fundamentais são obstáculos a remover por todos os meios. A ruína dos valores, do bem comum, das estruturas fundamentais da sociedade, porque o homem precisa de um chão, foram substituídos por esse simulacro de valores, o progressismo. Este tem servido essa ideia do mundo como um imenso centro comercial povoada por consumidores individualistas e maximizadores da sua felicidade pessoal imediata, o que se exacerbou como doença mental patente no narcisismo e egotismo patológicos.

Esta visão mutilada do homem terá consequências devastadoras, pois nos faz acreditar que somos o que sentimos que somos, que os nossos caprichos são direitos e que não temos deveres para com os mortos, os vivos e os que vão nascer.

As sociedades ditas progressistas são apenas baseadas no pior do liberalismo e no entulho residual do esquerdismo, ou seja, na ideia de “homem económico” e “homem jurídico”, e são por isso, desprovidas de dimensão ética. Os limites da nossa acção são apenas questões técnicas e a respectiva regulamentação da nossa vida é unicamente jurídico-ideológica. Não há certo, nem errado, nem bem, nem mal, mas lícito ou ilícito. O uso de uma tecnologia cada vez mais sofisticada, sem um saber do seu fim, colocou também esta ideologia terminal num patamar aparentemente definitivo. A tecnologia e a economia devem servir os homens, e não é isso que acontece. É neste contexto que se compreende a ideia que o Estado deve ser neutro e os indivíduos se regem apenas por contratos estabelecidas entre dois contraentes, os co-proprietários calculistas e procedimentais e se deve eliminar tudo o que é “interferência”.

A base ética, o enraizamento, a exigência da dignidade da pessoa, o postular que há valores que valem mais, tornaram-se incompreensíveis para a sociedade relativista do consumo e do espectáculo. O esquerdismo, ou seja, um elitismo citadino que vive mergulhado em engenharias societais e que traiu as pessoas comuns, os trabalhadores, subscreve essa visão suicidária dos seres humanos, mas não nos iludamos. A nova antropologia do homem desfiliado e desidentificado não é uma criação do novo esquerdismo, mas sim da figura do liberal libertário e do seu liberalismo societal e cultural.

Só se compreende a amplitude do perigo do projecto da antropologia progressista do desenraizamento, se percebermos que ela é a antecâmara da etapa seguinte, o transhumanismo de facto e a transição definitiva para o “melhoramento” humano e os seus ‘interfaces’ com máquinas. Recordo-me, por exemplo, de Hi Jiankui, o primeiro cientista chinês a criar bebés modificados, ou seja, a ideia do ilimitado e da destruição das nossas raízes naturais e culturais.

A destruição da família, da nossa identidade sexual e sexuada e do valor absoluto da vida humana, servem o que já se percebe ser a etapa seguinte e final da história humana. Na fase presente estamos a fazer a terraplanagem para esse mundo, criando uma nova arquitectura psicológica, a do novo homem, sem memória, sem história, sem fronteiras, sem limites, que cataloga como opressão o sentido mais profundo da nossa civilização.

Haverá reacções, que são até cada vez mais visíveis, e sim, este totalitarismo hiperliberal progressista e o seu tecnomundo podem até já ter desencadeado um novo cripto-fascismo. Mas ainda há esperança, e quem sabe se não poderá vencer a ideia de uma sociedade decente e ética defendida por homens corajosos, bons e livres.

QOSHE - A Coragem moral e intelectual de Pedro Passos Coelho - João Maurício Brás
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A Coragem moral e intelectual de Pedro Passos Coelho

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09.04.2024

Passos Coelho será nos próximos dias acusado de defender a vida, a identidade, a família e a liberdade responsável, essas monstruosidades que são os pilares fundamentais das sociedades decentes (conceito de Orwell, Camus, Hanna Arendt).

Destaco a coragem pessoal, moral e intelectual de Passos Coelho (P.C.) por dar a cara, mais uma vez, agora por um livro, “Identidade e Família”, que aborda uma visão do homem e da sociedade que não segue os dogmas totalitários da “sociedade liquida” e do pensamento único do presente. P. C. tem uma imagem pública e sabe que será atacado de modo sórdido, mas escolheu o caminho mais difícil, entre o agradar aos defensores dos dogmas do politicamente correcto e defender valores fundamentais, não hesitou. Surgem já reacções regurgitando os repetitivos ‘slogans’ da propaganda e ataques de carácter, que se trata de uma agenda ultra-conservadora, reaccionária, tradicional, etc. Curioso como a designação de tradicional tornou-se negativa. Hoje, defender a família, a base primordial das sociedades, implica ser considerado infra-humano. Na verdade, não há família, nem valores tradicionais, há sim família e valores, e projectos anti-familia e anti-valores.

Serei sempre crítico da entrega da soberania nacional aos mercados e daquilo em que esta União Europeia se transformou e por isso P.C. falhou nas cedências aos mercados, mas este seu acto como outros que tem efectuado, demonstram o seu carácter como pessoa e a sua coragem moral.

Este episódio é ilustrativo por um motivo caseiro, o ódio de um certo tipo de gente e poderes à pessoa de Passos Coelho e outro motivo, mais profundo, as máscaras do progressismo.

Sobre o próprio livro, dizer que não concordo com várias posições de alguns dos autores (refiro-me a outros textos deles), mas refiro a importância incontornável de enfrentar esses temas com liberdade, pensamento crítico e contraditório, pois está em causa a nossa sobrevivência como seres humanos.

O problema é decisivo e importa identificar o que está........

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