As eleições do passado dia 10 reforçaram um conjunto de evidências que constituem o alicerce da conjuntura política que valem a pena ser mencionadas e relativamente às quais convém refletir.

O resultado final mostrou de forma clara que os portugueses não estão convencidos das capacidades de nenhuma das forças políticas para governar. A proximidade do numero de votos entre a AD e o PS mostra-nos, precisamente, essa falta. A AD por não ter sido capaz de captar a confiança e apesar de marginalmente mais votada não recolheu o numero de votos que a fragilidade com que o PS chegou a estas eleições, em tese, lhe permitiria obter. Ou seja a AD não capitalizou no histórico conceito da alternância e está obrigada a constantes negociações. Apesar da oposição à esquerda poder ser anulada com a abstenção do partido Chega, e vice-versa, a linha de equilíbrio face a estes dois blocos vai ter de estar constantemente presente e irá, naturalmente, condicionar a atuação do próximo governo.

A segunda nota de relevo vai para a diminuição da abstenção. Os portugueses decidiram votar. Uns votaram por convicção, outros, onde me incluo, votaram no mal menor para evitar escaladas de oportunismo. Estou convencido que está aí, no mal menor, uma proporção muito significativa do comportamento eleitoral.

A terceira evidência diz respeito ao resultado do Chega. Com mais de um milhão de votos e 50 deputados, este partido cuja designação corresponde a uma repreensão usada para mandar parar aquilo que provoca irritação ou para fazer calar alguém, ‘basta!’, mostra o quão saturados do ‘mais do mesmo estão um grupo crescente de portugueses. A reclamação e a critica, em vez do projeto, foram suficientes para que mais de 1.000.000 de portugueses tenha decidido que é tempo de dizer basta! Uns por convicção, outros por protesto, deram uma força muito relevante, e por consequência, montantes financeiros provenientes da subvenção estatal aos partidos políticos, a esta força política que tem, na figura do seu líder, protagonizado a oposição ao regime dos partidos tradicionais que ao longo das ultimas décadas mostrou ser incapaz de transformar a economia portuguesa numa economia inovadora, robusta e estável.

A quarta nota constitui para mim a mais importante e relevante nota. O partido do protesto, da critica e ameaça constante ao sistema apressou-se, na noite eleitoral e na sequência dos votos que mais de 1.000.000 de portugueses lhe deram, a querer pertencer e reforçar esse mesmo sistema ao exigir coligar-se no governo com a AD. O seu líder passou de lobo caçador a solteiro disponível. Afinal o Chega de protesto transformou-se logo em ‘chega para cá’ como quem pede abrigo aos mais crescidos. Mostra que, afinal, não é lobo, é só pele de lobo a precisar de aconCHEGAr-se. A necessidade de aconCHEGAr-se é de tal forma visível, que até alguns amigos mais próximos vieram formalmente apresentar um manifesto a exigir a quem disse que «Não é Não» desse agora o dito por não dito, e desse a mão ao cordeiro, agora sem a pele de lobo, solteirão ávido de casar.

Os portugueses manifestaram uma posição muito clara. Não se reveem de forma convicta em nenhum dos protagonistas e em nenhum dos projetos. Essa postura trouxe uma nova arquitetura parlamentar com um consequente equilíbrio de forças que dificilmente trarão tempos de estabilidade. A proximidade às eleições europeias no próximo dia 10 de junho constitui motivo adicional para o reforço dos antagonismos entre os diferentes atores. No entretanto o país não sai do lugar onde teimosamente se arredou. A ausência de reformas introduziu um ritmo de lentidão que tem por consequência a estagnação e o atraso relativo. Os portugueses continuam desaproveitados e cada vez mais longe dos ritmos de sucesso de vários outros. Falta fazer bem feito e, por isso, não estamos onde poderíamos estar.

CEO do Taguspark, Professor universitário

QOSHE - A querer aconCHEGAr-se - Eduardo Baptista Correia
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A querer aconCHEGAr-se

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23.03.2024

As eleições do passado dia 10 reforçaram um conjunto de evidências que constituem o alicerce da conjuntura política que valem a pena ser mencionadas e relativamente às quais convém refletir.

O resultado final mostrou de forma clara que os portugueses não estão convencidos das capacidades de nenhuma das forças políticas para governar. A proximidade do numero de votos entre a AD e o PS mostra-nos, precisamente, essa falta. A AD por não ter sido capaz de captar a confiança e apesar de marginalmente mais votada não recolheu o numero de votos que a fragilidade com que o PS chegou a estas eleições, em tese, lhe permitiria obter. Ou seja a AD não capitalizou no histórico conceito da alternância e está obrigada a constantes negociações. Apesar da oposição à esquerda poder ser anulada com a abstenção do partido Chega, e vice-versa, a linha de equilíbrio face a estes dois blocos vai ter de estar constantemente presente e irá, naturalmente, condicionar a atuação do........

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