A polarização política em Portugal parece hoje estar a ganhar terreno perante o tradicional campo democrático, tal como a concebemos nos últimos 50 anos de democracia. Assistimos, não só ao crescimento de forças extremistas e radicais, de esquerda e de direita, mas também a uma aparente, e preocupante, contaminação de algumas forças moderadas. Esta crescente polarização já não se sente apenas nas redes sociais. Sentimo-la na rua. Sentimo-la nas manifestações e contramanifestações cada vez mais radicalizadas. Sentimo-la na forma como se incendeiam impunemente cartazes de partidos políticos.

Mas o que é isto da polarização? Em primeiro lugar, ela implica uma certa rigidez: a rigidez de grupos fechados que crescem e não se comunicam uns com os outros. Em segundo, implica uma certa distância: um fosso que cresce entre as pessoas, mas também entre as pessoas e os seus representantes políticos. E em terceiro lugar, resulta da inércia e da incapacidade do poder moderado não dar respostas concretas às expectativas das pessoas e muitas vezes não terem a coragem de dizer não ou assumir as suas responsabilidades no falhanço dos seus compromissos.

Para estancar esta crescente polarização precisamos desde logo de reafirmar os nossos valores comuns. Resolver este problema da polarização exige, por isso, encontrar o espaço onde se recuperem esses valores comuns que sustentam uma comunidade. E a forma plena de comunidade – já dizia o velho Aristóteles – é precisamente a cidade.

Comprovo a sabedoria grega: a cidade é também hoje a comunidade por excelência, e é a partir da cidade que melhor podemos combater a polarização. Desde logo porque na cidade os elementos que compõem aqueles grupos rígidos são obrigados a falar uns com os outros (muitas vezes são vizinhos, são da mesma família, ou são colegas de trabalho); e, depois, porque é na cidade onde o fosso pessoas-políticos é mais pequeno. As pessoas conhecem o seu presidente de Câmara, elas podem falar com ele e expor-lhe os seus problemas. Esta dimensão particularista que só a cidade tem faz com que nela se resolvam os problemas concretos das pessoas. Dou-vos três exemplos:

Em primeiro lugar, a política social. Estamos hoje a construir em Lisboa aquilo que eu chamo um Estado Social Local. Esta ideia partiu da constatação de que hoje o Estado Social Central não consegue dar resposta às pessoas – e a saúde confirma-o. Era preciso complementar o Estado Social com iniciativas locais. Foi isso que nos fez criar um Plano de Saúde gratuito para os lisboetas com mais de 65 anos, que tantas vezes não conseguem ter acesso a um médico. Hoje, 13 mil idosos em Lisboa têm acesso gratuito a um médico.

Em segundo, a cultura. Quando me candidatei a presidente da Câmara de Lisboa anunciei que queria construir um teatro em cada freguesia para quebrar a dicotomia entre uma cultura de elite e uma cultura popular apanágio de uma certa esquerda. Para mim só há uma cultura.. Muitos riram-se e não perceberam que levar a cultura para as pessoas e para os bairros é a melhor forma de construir aqueles valores comuns que sustentam o diálogo em sociedade.

Hoje, Lisboa já tem 6 teatros em cada bairro, abertos às pessoas e às coletividades das freguesias, capazes de mobilizar e de fazer comunidade e um passe cultura que permitiu a mais de 12.000 lisboetas entrar gratuitamente nos nossos equipamentos municipais.

Em terceiro, a participação. O digital trouxe uma necessidade de transformar os mecanismos de participação política das pessoas. Por um lado, as pessoas querem fazer-se ouvir; mas, por outro, acham que os canais tradicionais de participação limitam essa sua capacidade. É preciso pensar numa nova democracia deliberativa, e é nas cidades que o temos de fazer. Lançámos por isso o Conselho de Cidadãos de Lisboa, que já juntou centenas de lisboetas que discutiram, elaboraram e desenvolveram connosco ideias para a cidade – ideias que não ficaram no papel, mas que, como no caso dos super-quarteirões, se concretizaram.

É assim que se combate a polarização: com ações concretas. Sem medo de reafirmar os nossos valores comuns, respondendo efetivamente às expectativas das pessoas e não a expectativas partidárias. É fazendo a diferença na vida das pessoas que combatemos os desvarios extremistas e radicais. O momento é grave e exige de todos os moderados, da grande maioria silenciosa que ainda existe, um ativismo social moderado mais forte e mais assertivo que coloque de lado os pequenos interesses pessoais e que combata os desvarios extremistas e radicais. Com um único propósito: dar uma vida melhor aos portugueses.

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Polarização: o que fazer

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02.02.2024

A polarização política em Portugal parece hoje estar a ganhar terreno perante o tradicional campo democrático, tal como a concebemos nos últimos 50 anos de democracia. Assistimos, não só ao crescimento de forças extremistas e radicais, de esquerda e de direita, mas também a uma aparente, e preocupante, contaminação de algumas forças moderadas. Esta crescente polarização já não se sente apenas nas redes sociais. Sentimo-la na rua. Sentimo-la nas manifestações e contramanifestações cada vez mais radicalizadas. Sentimo-la na forma como se incendeiam impunemente cartazes de partidos políticos.

Mas o que é isto da polarização? Em primeiro lugar, ela implica uma certa rigidez: a rigidez de grupos fechados que crescem e não se comunicam uns com os outros. Em segundo, implica uma certa distância: um fosso que cresce entre as pessoas, mas também entre as pessoas e os seus representantes políticos. E em terceiro lugar, resulta da inércia e da incapacidade do poder moderado não dar respostas concretas às expectativas das pessoas e muitas vezes não terem a coragem de dizer não ou assumir as suas responsabilidades no falhanço dos seus........

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