Li recentemente um artigo de Rui Tavares Guedes sobre a lotaria que é, hoje em dia, tentar adivinhar o futuro. Embora o artigo estivesse focado nos acontecimentos políticos do último ano no nosso país, sobre os quais comentadores e opinião pública em geral pouco acertaram (na verdade, era difícil!), o raciocínio deixado pelo autor parece-me válido para o mundo em geral.

Para caricaturar a ideia ali deixada, o autor dizia: “Não devemos sentir medo por ter dúvidas. Precisamos, isso sim, de ter a melhor informação para podermos construir as nossas certezas. Com humildade, tolerância e liberdade”. O autor recordou ainda Bertrand Russell, o intelectual britânico, Nobel da Literatura em 1950, que um dia libertou o seguinte pensamento: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e as pessoas [tontas] estão cheias de certezas”.

Dois factos curiosos: (i) Este pensamento de Bertrand Russell é um dos meus favoritos da humanidade; e (ii) O intelectual britânico foi, no início do século XX, um grande influenciador em matérias que estão atualmente no topo da agenda mundial, como é o caso da Inteligência Artificial!

É interessante pensar que, volvido um século, a Inteligência Artificial (IA) está, irreversivelmente, a influenciar as nossas vidas e a forma como encaramos os negócios, sem prejuízo de, incorporando o espírito do próprio Bertrand Russell, nos mantermos atentos ao impacto desta realidade na vida das organizações e na sua continuidade.

Escrevi estas linhas nos primeiros dias do ano, após os dias (mais) calmos da época festiva, na qual sempre dá para maturar algumas ideias longe da correria do dia-a-dia. Foi nesse contexto que dei comigo a pensar no impacto da Inteligência Artificial e da Automação na vida do consultor fiscal.

Apesar de a vida de consultor fiscal já não ser como era em 2008 quando comecei a trabalhar na PwC, suspeito que se avizinham anos em que a mudança será ainda maior e mais rápida.

Muitas das funções que, naquela época, eram executadas integralmente de forma manual são, já hoje, realizadas de forma mais eficiente, com recurso a ferramentas mais evoluídas, muitas das quais com grande preponderância da Automação e, até, da Inteligência Artificial.

Porém, parece-me que esta evolução, já de si enorme nos últimos anos, tornar-se-á exponencial nos anos vindouros. Porventura, será, até, a única forma de a consultoria (e o consultor) fiscal acompanhar(em) o ritmo alucinante do mundo – como costuma dizer um “amigo” muito chegado: “a vida é um TGV que escusamos de tentar parar… o que há a fazer é, simplesmente, ir entrando e saindo das carruagens certas, no momento certo”.

Aqui parece que não será diferente. Acomodar esta realidade será, eventualmente, a única forma de acompanhar o TGV.

A fase em que nos encontramos parece-me ser um momento chave para potenciar esta realidade e tornar o dia-a-dia das equipas mais livre de tarefas de menor valor acrescentado, dando-lhes mais tempo para pensar. De resto, este poderá ser o grande mérito da intromissão galopante da Inteligência Artificial e da Automação na vida do consultor fiscal, que, sendo “substituído” em algumas funções, terá de ser, cada vez mais, um pensador e, cada vez menos, um mero executador.

Cabe, por isso, ao consultor fiscal moderno aproveitar esta aparente oportunidade de ter mais tempo para pensar. Esse tempo disponível deverá, a meu ver, ser canalizado para pensar a fiscalidade em si, potenciando a solidez técnica e uma chegada mais rápida a novas ideias de valor acrescentado, mas também para monitorizar o que a “máquina faz” e acompanhar a sua evolução, procurando assegurar uma evolução equilibrada.

Tenho, por isso, esperança que o crescimento desta realidade proporcione algo que, até hoje, os consultores fiscais não terão tido em quantidade satisfatória: tempo para pensar fiscalidade. Seremos, assim, capazes de surpreender (pela positiva) Friedrich Nietzsche, o filósofo alemão do século XIX que um dia disse: “Como nos falta tempo para pensar e ter sossego no pensar”?

QOSHE - IA: a arte de pensar tem, cada vez mais, de estar presente em nós, os consultores fiscais - Rui Pedro Martins
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IA: a arte de pensar tem, cada vez mais, de estar presente em nós, os consultores fiscais

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05.02.2024

Li recentemente um artigo de Rui Tavares Guedes sobre a lotaria que é, hoje em dia, tentar adivinhar o futuro. Embora o artigo estivesse focado nos acontecimentos políticos do último ano no nosso país, sobre os quais comentadores e opinião pública em geral pouco acertaram (na verdade, era difícil!), o raciocínio deixado pelo autor parece-me válido para o mundo em geral.

Para caricaturar a ideia ali deixada, o autor dizia: “Não devemos sentir medo por ter dúvidas. Precisamos, isso sim, de ter a melhor informação para podermos construir as nossas certezas. Com humildade, tolerância e liberdade”. O autor recordou ainda Bertrand Russell, o intelectual britânico, Nobel da Literatura em 1950, que um dia libertou o seguinte pensamento: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e as pessoas [tontas] estão cheias de certezas”.

Dois factos curiosos: (i) Este pensamento de Bertrand Russell é um dos meus favoritos da humanidade; e (ii) O intelectual........

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