Em meados dos anos 80 do século passado, fui representar a Juventude Comunista Portuguesa ao congresso das juventudes comunistas francesas. Num encontro bilateral que tive com os anfitriões, expus a situação em Portugal. Nessa altura, vivíamos no nosso país o flagelo dos salários em atraso, que tentei explicar aos camaradas franceses. Apesar de me esforçar, utilizando o meu melhor francês, a verdade é que tiveram dificuldades em me entender por uma razão simples: para eles, era inconcebível a existência de salários em atraso!...

Tenho-me recordado muito desta situação, agora que, passados quarenta anos, vejo o anúncio despudorado de salários em atraso no Global Media Group (GMG), que abrange este JN em que escrevo (gratuitamente), e que afeta tantas pessoas que conheço e com quem lido ou lidei de perto no âmbito da minha atividade autárquica. Mas esta situação afeta, também, trabalhadores de muitas outras empresas (que, infelizmente, não são notícia na comunicação social) e que vivem, diariamente, com o credo na boca, ao mesmo tempo que são forçados a gozar férias “porque não há encomendas” ou a contribuir involuntariamente para bancos de horas à “espera de dias melhores”.

Recordo, na década de 80, de ver uma concorrente num concurso televisivo a afirmar que ganhava pouquinho mas, “graças a Deus”, o salário era pago a horas. O que nos elucida sobre o significado dos salários em atraso como instrumento de exploração: satisfaçam-se com pouco, apesar da inflação, porque mais vale pouco mas certo (como se receber salário por trabalhar fosse uma benesse e não um direito básico). Ou, supremo cinismo, “aceitem ir para o desemprego para que alguns se salvem”…

Por isso, a minha total solidariedade com todos os trabalhadores deste JN e das restantes publicações do GMG, bem como com todos os que, pelo país, passam por situações idênticas. Com a certeza de que só a luta fará com que o novo ano seja bom!

QOSHE - Os salários em atraso outra vez - Rui Sá
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Os salários em atraso outra vez

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01.01.2024

Em meados dos anos 80 do século passado, fui representar a Juventude Comunista Portuguesa ao congresso das juventudes comunistas francesas. Num encontro bilateral que tive com os anfitriões, expus a situação em Portugal. Nessa altura, vivíamos no nosso país o flagelo dos salários em atraso, que tentei explicar aos camaradas franceses. Apesar de me esforçar, utilizando o meu melhor francês, a verdade é que tiveram dificuldades em me entender por uma razão simples: para eles, era........

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