A troca de galhardetes entre Costa e Marcelo, a propósito do encontro, em Belém, da procuradora-geral da República com o presidente, para discutir a investigação ao primeiro-ministro, não foi o momento mais edificante. Mas é apenas o corolário de uma cooperação política que se desfez ao longo deste ano, até ao choque frontal do verão, com o “deplorável incidente” que envolveu o ex-ministro João Galamba. Chegados a outubro, com o núcleo do Governo a braços com uma investigação judicial - mesmo que esta pareça ter pés de barro -, Marcelo disparou a bomba atómica sem hesitações. O país vai para eleições, o povo que encontre uma solução.

A acrimónia de Costa tem menos a ver com o “deslize” de Marcelo (foi o presidente que tornou público o pedido do primeiro-ministro para ouvir a PGR) e mais a ver com a narrativa que quer fazer vingar: com uma maioria absoluta socialista no Parlamento, teria sido possível encontrar um chefe e um Governo alternativo. Agora, “tal como os portugueses resolveram a última crise irresponsável, devem também resolver a nova crise irresponsável”. Enquanto aguarda pela decisão sobre o futuro líder do PS, Costa dá o mote para a campanha, semelhante ao usado com sucesso nas legislativas de 2022: não foi o PS a empurrar o país para uma crise. Não foi o PS a pedir ao povo que encontre uma solução.

Tudo está bem quando acaba bem. Mas ninguém acredita que vai acabar bem (leia-se, ninguém acredita numa solução estável). A começar, suspeita-se, pelo próprio Marcelo. Se há tema que marca estes dias de pré-campanha (e a campanha interna no PS) é o que cada um dos dois grande partidos poderá fazer com uma vitória “poucochinha”. Nem Montenegro (PSD) nem os seus adversários no PS (Pedro Nuno e Carneiro) se atrevem a sugerir que terão uma vitória suficientemente robusta para governarem sozinhos. Mais: a discussão já nem é apenas sobre coligações, mas sobre se o principal derrotado deixará governar o principal vencedor. Resumindo, ninguém acredita que o povo encontre uma solução.

QOSHE - O povo que encontre uma solução - Rafael Barbosa
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O povo que encontre uma solução

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23.11.2023

A troca de galhardetes entre Costa e Marcelo, a propósito do encontro, em Belém, da procuradora-geral da República com o presidente, para discutir a investigação ao primeiro-ministro, não foi o momento mais edificante. Mas é apenas o corolário de uma cooperação política que se desfez ao longo deste ano, até ao choque frontal do verão, com o “deplorável incidente” que envolveu o ex-ministro João Galamba. Chegados a outubro, com o núcleo do Governo a braços com uma investigação judicial - mesmo que........

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