1. Às vezes, é preciso sublinhar o óbvio. Pela primeira vez em Portugal, uma investigação judicial provocou a queda de um primeiro-ministro e do seu Governo. É uma interferência flagrante do poder judicial sobre o poder político executivo. E é importante sublinhar o óbvio porque, sem juízos de valor sobre o que já é conhecido, o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República não têm qualquer margem de erro. Se isto resultar numa acusação vazia, ou na absolvição generalizada, é a administração da Justiça que fica em causa. E, com ela, os fundamentos da democracia. Não é apenas a inocência ou a culpa de meia dúzia de cidadãos notáveis que está em jogo. São as escolhas políticas do país. É a saúde e o futuro da nossa vida coletiva. Acreditemos que os magistrados a quem foi entregue este poder quase discricionário sabem o que estão a fazer. E que este processo não seja uma bomba ao retardador.

2. Independentemente do futuro do processo contra Costa, Galamba, Matos Fernandes, e o pessoal que nomearam para os bastidores do poder, há leituras políticas a fazer. O líder do PS conquistou uma maioria absoluta, mas, com as suas escolhas para o Governo, desbaratou-a. Não é só este episódio. Foram quase dois anos de “casos e casinhos”, mas também de escândalos a sério e de governantes sem ética, que trataram a coisa pública como coutada privada. E isso terá repercussões no futuro do PS. Medina, que, depois da derrota em Lisboa e das distrações na TAP, só se manteve politicamente à tona por causa de Costa, parece carta fora do baralho. Pedro Nuno Santos, diz-se, controla o aparelho e tem uma legião de adeptos na ala esquerda do PS. É impossível dizer se conseguirá chegar à liderança. Mas, a acontecer, será uma vitória de Pirro. A indemnização milionária, que primeiro desconhecia, mas que afinal autorizou, é mancha demasiado grave para sair do currículo. E será atirada, uma e outra vez, para cima da mesa de qualquer debate televisivo. É provável que Luís Montenegro esteja a torcer por Pedro Nuno. Depois do terramoto, só falta mesmo o PS estender-lhe a passadeira vermelha em direção a S. Bento.

QOSHE - Justiça, democracia e uma passadeira vermelha - Rafael Barbosa
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Justiça, democracia e uma passadeira vermelha

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09.11.2023

1. Às vezes, é preciso sublinhar o óbvio. Pela primeira vez em Portugal, uma investigação judicial provocou a queda de um primeiro-ministro e do seu Governo. É uma interferência flagrante do poder judicial sobre o poder político executivo. E é importante sublinhar o óbvio porque, sem juízos de valor sobre o que já é conhecido, o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República não têm qualquer margem de erro. Se isto resultar numa acusação vazia, ou na absolvição generalizada, é a administração da Justiça que........

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