O caminho que a nossa ciência percorreu nos finais do século passado e princípios deste, em que passou de uma atividade quase marginal para a primeira divisão mundial neste domínio, é um dos casos de sucesso coletivo que, com legítimo e fundado orgulho, gostamos de exibir.
O nome de Mariano Gago é incontornável neste processo, mas muitos outros merecem a devida vénia e agradecimento. Julgo que o sucesso da coisa, além da contribuição dos dinheiros europeus e algum alinhamento dos deuses e da sorte, que sempre ajuda, terá tido a ver com os ingredientes do costume: visão estratégica, liderança e persistência.

Sabia-se para onde e como queríamos ir. Havia liderança, forte e informada. E foi possível uma continuação das políticas públicas associadas, independentemente da cor e dos matizes dos governos que estiverem à frente dos destinos do país.

Mais, e porventura foi aqui que se fez a diferença, houve a coragem de implementar um sistema de avaliação das unidades de investigação, por painéis de peritos internacionais, em que os resultados condicionavam de forma direta os financiamentos atribuídos. Ainda hoje é assim. Interrogo-me, no entanto, se tivéssemos que implementar agora algo similar, se haveria condições para tal. Estou convicto de que não, e de que quem o tentasse seria corrido como um perigoso elitista.

A saúde terá sido, porventura, a área que mais beneficiou ou soube aproveitar esta onda, e deu um salto de gigante, como o demonstra o desempenho dos seus cientistas e das suas instituições de ciência, que compara bem com o que de melhor se faz por essa Europa e por esse Mundo.

Foi pena que tivéssemos ficado apenas pelo ciclo da investigação & desenvolvimento (i&d). Receita análoga tinha também merecido o ciclo da inovação, ou seja, a valorização do conhecimento gerado pela i&d. Não foi o que aconteceu então e, é consensual, ainda hoje temos muita e boa estrada para andar nesse sentido.

Até aqui, é a parte boa da história. Sim, notícias muito recentes dão-nos conta de que o investimento público em investigação tem vindo a cair desde 2001, situando-se já a níveis de 1991. Comparando com a média dos países da OCDE, em termos de percentagem do PIB, estamos a menos de metade.
Estamos a atingir níveis de alarme e podemos estar a comprometer este sucesso e a deitar tudo por terra. Mas o mais preocupante é que não se conhece visão estratégica, a liderança está vazia e a persistência só se tem aplicado em desestruturar.

Apesar disso, há um sinal, que julgo muito positivo, que é o do crescimento do investimento em i&d e em inovação por parte das empresas, boa parte dele em cooperação com as universidades e seus institutos. Não dispensando o outro, o público, no meu modesto entendimento o caminho pode passar por aqui. Para isso, precisa-se de visão estratégica e, novamente, de muita coragem para mudar. Desta vez, no sentido de uma avaliação efetiva pelos resultados. No caso da saúde, para os doentes, obviamente.

QOSHE - Também na Ciência as coisas já estiveram melhor - Joaquim Cunha
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Também na Ciência as coisas já estiveram melhor

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31.10.2023

O caminho que a nossa ciência percorreu nos finais do século passado e princípios deste, em que passou de uma atividade quase marginal para a primeira divisão mundial neste domínio, é um dos casos de sucesso coletivo que, com legítimo e fundado orgulho, gostamos de exibir.
O nome de Mariano Gago é incontornável neste processo, mas muitos outros merecem a devida vénia e agradecimento. Julgo que o sucesso da coisa, além da contribuição dos dinheiros europeus e algum alinhamento dos deuses e da sorte, que sempre ajuda, terá tido a ver com os ingredientes do costume: visão estratégica, liderança e persistência.

Sabia-se para onde e como queríamos ir. Havia liderança, forte e informada. E foi possível uma continuação das políticas........

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