Um pouco por toda a Europa e, de uma forma geral, nos países que dispõem de sistemas de saúde estruturados, dois grandes desafios estão no centro das preocupações de quem sobre estes temas tem de tomar decisões.

Por um lado, a pressão demográfica, que resulta de estarmos a viver mais e a nascer menos, que tem vindo a gerar aumentos na procura e na complexidade dos cuidados de saúde a taxas muito, mas mesmo muito, superiores às observadas na capacidade coletiva ou individual de alocarmos mais recursos financeiros ao sistema.

Por outro, a escassez de recursos humanos especializados, sejam médicos ou enfermeiros, sejam outras profissões a que usualmente chamamos auxiliares, que tem vindo a crescer de forma muito acentuada em função da acelerada e, diria, desejada incorporação de novas e mais avançadas tecnologias no processo.

A combinação destes dois desafios, que de algum modo estão relacionados, é potencialmente explosiva e pode ter consequências devastadores para a nossa qualidade de vida, se medidas para a sua mitigação, que há já uns anos são urgentes, não forem tomadas.

Corremos o sério risco de acordarmos um destes dias e darmos conta, da pior forma possível, de que o bem mais precioso para qualquer cidadão que é o acesso a cuidados de saúde quando deles necessita, não está disponível ou está em condições perigosamente degradadas.

Devo dizer a este propósito que o comportamento coletivo das populações e em particular - porque me toca e diz mais respeito - dos meus concidadãos não deixa de me surpreender. O nosso Sistema Nacional de Saúde (SNS), que a propaganda oficial ainda há bem pouco tempo conseguia vender como um dos melhores do Mundo, está hoje num estado crítico, com uma degradação crescente da sua oferta, como todos os dias é noticiado, ainda que a isso cada vez demos menor importância, porque se tornou vulgar. É e vai ser diferente quando a aflição nos bater à nossa porta e a resposta chegar tarde e mal ou não chegar mesmo.

Qual seria o clamor social e a quantas manifestações de rua não teríamos assistido se um, unzinho só, destes encerramentos temporários de serviços hospitalares que todos os dias são anunciados às dezenas tivesse ocorrido nos idos tempos da troika?

Tudo isto vem a propósito da greve dos médicos embora possa parecer, à primeira vista, descabida a associação.

Neste caso, que de algum modo se integra nos dois desafios que acima enunciei, o que está verdadeiramente em causa não é o imediato - um qualquer acordo acontecerá certamente, se não com este, com o novo Executivo que resultar das eleições de março -, mas a falta de visão de longo prazo, ilustrada pela ausência de qualquer tentativa de planeamento que desgraçadamente tem caracterizado a ação de quem nos governa nesta área nos últimos anos.

A maioria das dificuldades que o sistema de saúde hoje enfrenta eram previsíveis há uns anos, como previsíveis são as que nos vão assolar no futuro a maior ou menor prazo. Algumas são mesmo enormes desafios. Lamentavelmente, não aprendemos com os erros do passado e insistimos em não planear e em não preparar o futuro.



(Por lapso, este texto foi ontem publicado como sendo obra de António Cunha, presidente da CCDR-N, quando o seu autor é Joaquim Cunha, diretor-executivo do Health Cluster Portugal. Deixamos o devido pedido de desculpa a ambos e aos nossos leitores.)

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Sobre a greve dos médicos

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29.11.2023

Um pouco por toda a Europa e, de uma forma geral, nos países que dispõem de sistemas de saúde estruturados, dois grandes desafios estão no centro das preocupações de quem sobre estes temas tem de tomar decisões.

Por um lado, a pressão demográfica, que resulta de estarmos a viver mais e a nascer menos, que tem vindo a gerar aumentos na procura e na complexidade dos cuidados de saúde a taxas muito, mas mesmo muito, superiores às observadas na capacidade coletiva ou individual de alocarmos mais recursos financeiros ao sistema.

Por outro, a escassez de recursos humanos especializados, sejam médicos ou enfermeiros, sejam outras profissões a que usualmente chamamos auxiliares, que tem vindo a crescer de forma muito acentuada em função da acelerada e, diria, desejada incorporação de novas e mais avançadas tecnologias no processo.

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