A primeira reação que o recente e inesperado episódio da demissão do primeiro-ministro de imediato me suscitou - no meio do turbilhão em que procurava a antevisão de possíveis consequências e o desenho de cenários plausíveis, que sempre nos assalta nestas ocasiões - foi o pânico quanto à possibilidade de, a haver, como logo pareceu inevitável, um novo Governo, este venha a repetir aquela tentação tão tradicional de começar tudo de novo.

Quando digo tudo, refiro-me, naturalmente, às grandes opções e às principais apostas. E quando digo novo Governo, estou a pensar numa mudança de cor ou na manutenção da mesma, mas com profundas alterações nos matizes e nos protagonistas.

Claro que não ponho em causa a salutar mudança de políticas ou a introdução de novas e melhoradas abordagens na procura de resposta aos nossos desafios coletivos. Mais, de uma forma geral, creio que muita coisa precisa de mudar e estou convencido de que o caminho que estávamos a levar nos conduzia, em muitas áreas, para um perigoso beco sem saída.

Por isso, e para isso, será agora, ainda que antecipado face a um calendário que todos julgávamos definitivamente fixado para cerca de três anos mais tarde, o tempo de avaliar desempenhos e resultados, e o tempo para um amplo debate sobre as propostas colocadas a sufrágio eleitoral. Deseja-se que este tempo seja desempoeirado e constitua uma lufada renovadora de ar fresco, que bem falta faz. E se tudo correr de acordo com o figurino, o povo decidirá e, como sempre, decidirá bem. Confesso que já tive mais certeza da bondade das suas decisões!

Assim, o que julgo que tem sido uma má prática, que tem acompanhado, de uma forma geral, os governos da democracia, é aquela vertigem parola de querer deixar marca que, na maioria dos casos, assalta ministros e secretários de Estado quando chegam ao poder. Pura ilusão, que a vaidade aguça, que não traria mal ao Mundo se fosse inócua. O problema é que não é, e a fatura que gera, muitas vezes pesada, é a dividir por todos.

O desafio para os que se vão agora sentar nas cadeiras do poder passa por, antes de descontinuar e destruir tudo o que vem detrás, fazer a sua cuidada avaliação e ponderar, com base no superior interesse nacional, o que tem valia e deve continuar, eventualmente com melhorias e ajustes, e o que tem de ser revogado, não porque foi iniciativa dos que antes governaram, mas porque efetivamente é mau.

A recentemente criada Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde e o conjunto de mudanças que lhe estão associadas é um dos exemplos do que não deveria ser alvo de um desses episódios agudos da referida vertigem de deixar marca. Antes, após a devida avaliação, deveria ser dada sequência à sua implementação, melhorando-a. O futuro da nossa saúde pode depender disso.

QOSHE - Ao novo Governo: pelo menos na saúde, por favor, não comecem tudo de novo! - Joaquim Cunha
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Ao novo Governo: pelo menos na saúde, por favor, não comecem tudo de novo!

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14.11.2023

A primeira reação que o recente e inesperado episódio da demissão do primeiro-ministro de imediato me suscitou - no meio do turbilhão em que procurava a antevisão de possíveis consequências e o desenho de cenários plausíveis, que sempre nos assalta nestas ocasiões - foi o pânico quanto à possibilidade de, a haver, como logo pareceu inevitável, um novo Governo, este venha a repetir aquela tentação tão tradicional de começar tudo de novo.

Quando digo tudo, refiro-me, naturalmente, às grandes opções e às principais apostas. E quando digo novo Governo, estou a pensar numa mudança de cor ou na manutenção da mesma, mas com profundas alterações nos matizes e nos........

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