Nesta quadra em que todos esperam prendas eu gostaria de pedir que o próximo ano fosse de verdadeira mudança na Saúde.

Mudança na atenção que lhe temos dedicado, uma vez que nos últimos anos, infelizmente, esta tem sido essencialmente de retórica, como o estado a que chegámos é disso prova evidente. Passámos, muito rapidamente, de um estado de negação em que tudo estava bem e o nosso sistema era o melhor do Mundo, para um estado de depressão, em que o que temos nos aparece com um cenário terceiro-mundista. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, obviamente. Temos nós, os cidadãos, de assumir um papel crítico e participativo neste que é porventura um dos nossos ativos mais importantes. Não é mais possível, julgo, permitirmos que se use a Saúde como instrumento de demagogia barata. Há um amplo consenso sobre a maior parte das medidas necessárias e sobre os caminhos para lá chegar. Compete-nos exigir isso aos nossos governantes.

Mudança na prioridade. A Saúde não pode esperar mais por um conjunto de reformas, as quais passam por valorizar e motivar os seus profissionais, por introduzir ferramentas e abordagens de gestão baseadas nos resultados e no valor para os doentes, por avançar de forma informada na digitalização e na utilização inteligente dos dados, por ativar ações efetivas no domínio da prevenção e por implementar um plano coerente e ousado de investimentos na modernização do parque de equipamentos e do edificado do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

A Direção Executiva do SNS tem uma visão lúcida sobre estas prioridades e por isso é uma luz de esperança. Interromper este trabalho por mera miopia ideológica ou por procura de protagonismo fácil seria um evidente desastre. A ver vamos o que daqui a um ano podemos dizer sobre o assunto.

Mudança ainda no reforço significativo na cooperação. O nosso sistema de saúde e particularmente o SNS não são nem podem ser propriedade ou feudo de nenhum grupo, nenhum partido, ou nenhuma casta. Espero o dia em que seja estranho e mesmo ridículo alguém reclamar propriedade sobre o SNS - mesmo que seja só moral.

Mas isso só acontecerá se, entretanto, deixarmos as divergências para o acessório e o complementar. O essencial é garantir o acesso - de cuidados de saúde a todos, de forma atempada e com qualidade, independentemente dos seus recursos ou condição económica -, o que passa por separar o financiamento da prestação, promover a eficiência e generalizar lógicas de liberdade de escolha. E ainda reduzir o elevado peso do out-of-pocket, ou seja, o que cada um de nós, além dos impostos, está a contribuir.

A Saúde precisa de reformas, e precisa delas desesperadamente. Mas não tenhamos ilusões: estas só chegarão quando formos capazes de obrigar os nossos governantes a fazê-las. O assunto é sério demais para o deixarmos apenas na mão dos políticos.

QOSHE - A prenda que quero no sapatinho: a (adiada) reforma da Saúde - Joaquim Cunha
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A prenda que quero no sapatinho: a (adiada) reforma da Saúde

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26.12.2023

Nesta quadra em que todos esperam prendas eu gostaria de pedir que o próximo ano fosse de verdadeira mudança na Saúde.

Mudança na atenção que lhe temos dedicado, uma vez que nos últimos anos, infelizmente, esta tem sido essencialmente de retórica, como o estado a que chegámos é disso prova evidente. Passámos, muito rapidamente, de um estado de negação em que tudo estava bem e o nosso sistema era o melhor do Mundo, para um estado de depressão, em que o que temos nos aparece com um cenário terceiro-mundista. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, obviamente. Temos nós, os cidadãos, de assumir um papel crítico e participativo neste que é porventura um dos nossos ativos mais importantes. Não é mais........

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