Se não bastou a Pompeia, a segunda mulher de Júlio César, parecer séria para evitar o divórcio do imperador romano, ainda melhor se compreende que as instituições de um Estado de direito ou os titulares de órgãos de soberania estejam obrigados a comportamentos acima de qualquer suspeita. Do mesmo modo, não é suficiente que a Justiça se represente à porta dos tribunais com os olhos vendados e ostentando uma espada e uma balança, em sinal de imparcialidade, equilíbrio e determinação. Para ser séria e efetiva, a Justiça tem de ser igualmente responsável, ponderada, célere e eficaz.

É fácil, creio, verificar com que rapidez, em casos miúdos, os tribunais condenam, porventura por excesso de zelo, a pequena criminalidade, o que nunca sucede com o julgamento de processos que envolvam protagonistas capazes de pagar advogados versados em meandros, pormenores, expedientes, incidentes, recursos, contestações e prescrições. Não repetirei sequer o lugar-comum segundo o qual existe uma Justiça para os ricos e outra para todos os demais, nem pretendo repisar exemplos práticos que facilmente sustentariam aquela convicção. Mas multiplicam-se, e é impossível ignorá-lo, os processos ditos mediáticos ou relativos a alegados crimes económicos que se arrastam penosamente sem que, no final, e após julgamento prévio na praça pública, o Ministério Público consiga, sequer, encontrar prova suficiente para condenar os supostos responsáveis ou para levá-los a tribunal a tempo de fazer justiça, acabando muitos por ser declarados inocentes.

Independentemente dos exemplos que se escolha invocar e da efetiva culpa dos seus atores, parece cada vez mais evidente que, apesar dos recursos que consome, o sistema judicial enferma hoje da falta de eficácia dos seus agentes, pondo em causa a dignidade da Justiça, o regular funcionamento do Estado de direito e mesmo a sua condição de órgão de soberania. E nada é mais daninho para a credibilidade do país ou da própria Justiça. Por muito séria que seja, é possível que, um destes dias, já ninguém acredite no que diz e faz.

Pagaremos muito caro por isso.

QOSHE - O preço da justiça - António De Sousa Pereira
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O preço da justiça

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21.11.2023

Se não bastou a Pompeia, a segunda mulher de Júlio César, parecer séria para evitar o divórcio do imperador romano, ainda melhor se compreende que as instituições de um Estado de direito ou os titulares de órgãos de soberania estejam obrigados a comportamentos acima de qualquer suspeita. Do mesmo modo, não é suficiente que a Justiça se represente à porta dos tribunais com os olhos vendados e ostentando uma espada e uma balança, em sinal de imparcialidade, equilíbrio e determinação. Para ser séria e efetiva, a Justiça........

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