Eram encaradas como um jogo de bola. Com clubismo, fervor e paixão. Os candidatos também chegavam em postais e outros materiais de merchadising, a fazer lembrar os cromos das estrelas maiores do desporto rei. Canetas, autocolantes, porta-chaves, cadernos, t-shirts, bonés, a ver quem é que dava mais e em que formatos.

O avô não gostava de bola, parecia-lhe coisa de garotos e também dispensava pouco tempo e atenção à política. O trabalho era duro e o peso da enxada permanecia no corpo mesmo após o sol de pôr. Encolhia os ombros, quando o tentavam convencer de que era melhor este ou aquele. Partido só o pão e que não fosse duro, como a terra que tinha de cavar no dia seguinte em ano de poucas chuvas. Não sabia ler ou escrever e por isso sugeriam-lhe que fosse por cores ou símbolos. Dizia que sim a todos. Mas só se deixava convencer pela avó, a matriarca, que tinha sempre opinião sobre o que era melhor para a família. Escutava-os a todos à porta do adro, depois da missa, e media-lhes a simpatia, o carácter e as promessas. Apresentava caderno de encargos – como a estrada para alcatroar há tantos anos e que era só lameiro de inverno e poeira de verão – e acreditava que palavra dada seria mesmo honrada. Entrava assim na campanha eleitoral, convencendo familiares e vizinhança e sabia tudo sobre voto útil. Mas aqui-del-rei de quem lhe falhasse. A avó não tolerava despautérios. Não havia lugar a desculpas, uma mentira seria sempre uma mentira e nunca uma inverdade. Ou havia alcatrão ou terra batida e brita era só “areia para os olhos”.

Não havia redes sociais para além da bilhardice à porta da venda e a campanha era porta-a-porta. Olhos nos olhos entre eleitores e potenciais eleitos. Não é que nas eleições mais caseiras houvesse grandes oscilações, numa terra que sempre foi de um partido e tantas décadas de um homem só, mas havia as duas eleições nacionais e havia os casos e casinhos, o fulano e o sicrano que agora estavam na política. O padre excomungado pela igreja e adorado pelos fiéis votantes. O resultado final e se os derrotados ficariam a zero ou fariam golo de honra. A noite eleitoral era entre a RTP-Madeira, único canal disponível, e o adro da igreja, onde os votos da freguesia eram afixados depois de contados. Havia desilusões e alegrias e, sobretudo, a convicção de que o voto era um direito inalienável do povo, ao qual todos estavam agradecidos e deviam respeito, mesmo os mais desinteressados. E essa era, na verdade, a grande diferença.

QOSHE - Campanhas d’aquintrodia - Sandra Cardoso
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Campanhas d’aquintrodia

5 31
18.02.2024

Eram encaradas como um jogo de bola. Com clubismo, fervor e paixão. Os candidatos também chegavam em postais e outros materiais de merchadising, a fazer lembrar os cromos das estrelas maiores do desporto rei. Canetas, autocolantes, porta-chaves, cadernos, t-shirts, bonés, a ver quem é que dava mais e em que formatos.

O avô não gostava de bola, parecia-lhe coisa de garotos e também dispensava pouco tempo e atenção à política. O trabalho era duro e o peso da enxada permanecia no corpo mesmo após o sol de pôr. Encolhia os ombros, quando o tentavam convencer de que era melhor este ou aquele. Partido só o pão e que........

© JM Madeira


Get it on Google Play