A respeito do resultado das últimas eleições legislativas muito já se escreveu. A AD venceu as eleições, mesmo tendo sido a coligação de direita, liderada pelo PSD, que colheu menos votos de sempre para garantir o exercício da governação – nunca PSD e CDS somados tinham tido menos de 30% -, o que a torna frágil e enfraquecida à partida; o PS, mesmo em condições difíceis face à reconciliação falhada dos portugueses com as maiorias absolutas e perante uma operação judicial com contornos de outra coisa qualquer, conseguiu ainda colher mais votos do que em 2015; o CHEGA, com o auxílio e o empurrão de Belém, o décimo segundo jogador nesta peleja, consolidou-se como a grande força política em ascensão, no país e fora dele; o Livre afirmou-se; a IL esteve à altura do seu líder; o BE e o PAN mantiveram-se e o PCP voltou a perder, demonstrando que essa erosão não resulta de geometrias de entendimento.

Há, certamente, muitas coisas a conversar e a refletir entre e intra partidos, cidadãos e instituições, perante a eleição de 50 deputados de extrema-direita no ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril, o que se traduz na consolidação da força política que pretende representar a antítese e destruição desse legado. Sim, não é apenas questão ou responsabilidade dos políticos.

Essa reflexão é complexa e multifatorial: ressentimento e abandono perante a incerteza; falta de esperança em vidas que não atam nem desatam; reforço do pensamento e da estética antissistema com o triunfo da superficialidade e do discurso fácil; eficácia no digital para vencer corações e mentalidades, sobretudo nos mais jovens; financiamento abundante e opaco; falta de soluções e capacidade da democracia para lidar com a aceleração do tempo presente; sentimentos e perceções sobre imigração e também aqueles que interpretam a democracia como capacidade para perseguir outros através da força do seu voto e, certamente, muito mais coisas. Fui dos que se surpreenderam e julgavam que não seríamos capazes de atribuir mais do que 15% à força bruta.

Surpreenderam-me também as reações às eleições e o que terão sido capazes de interpretar nos seus resultados o Bloco de Esquerda e o Livre sobre a necessidade de diálogo entre as forças progressistas e de esquerda. O Partido Socialista, entretanto, também aceitou o desafio.

Este meu espanto advém da constatação de que não existe qualquer maioria que permita, no tempo presente, a esquerda ser governo ou alternativa, pelo que, após uma eleição, o que se preconiza como combate pela Democracia, parece disputa de votos à esquerda e a impressão de tacticismo escondido. De todo o modo, ao diálogo para defender a Democracia não se diz não, mesmo considerando que a melhor forma de a defender passa por cada democrata desempenhar bem o seu papel sem nunca se deixar confundir sobre quem são os adversários no próximo Parlamento.

Foi com o diálogo à esquerda que se tornou possível construir uma alternativa, devolver rendimentos e valorizar salários, reduzir a pobreza e reforçar o estado social, colocar o país a crescer dez vezes mais do que nos 15 anos anteriores, reduzir a dívida pública e conquistar a credibilidade e a confiança dos portugueses.

A esquerda não tem nada a provar sobre a capacidade que tem para traduzir o resultado do seu diálogo em avanços na vida das pessoas. Todos os diálogos têm o seu tempo, e na Democracia também é assim. Mas se a urgência é real, saibamos também interpretá-la e reforçar-lhe os horizontes de ação concreta, e sejamos capazes de desenhar alternativas para enfrentarmos a plenitude dos desafios do nosso tempo.

Essa construção deverá começar na cidade capital do país, em Lisboa, onde urge desenhar e afirmar uma alternativa capaz de retirar a cidade do abandono, da política do faz de conta, da escolha da desigualdade como pressuposto de atuação política, da letargia escondida no trabalho dos outros e do novo embrião de polarização ideológica à direita no país.

O PCP já manifestou a sua vontade de combate à direita, em particular da direita populista, tendo prometido ação contra “o retrocesso” e no passado soube iniciar esse caminho. E agora? Para uma grande coligação alternativa para disputar as próximas eleições autárquicas em Lisboa, capaz de derrotar esta direita, estarão o Livre, o BE e o PCP disponíveis? Falta menos tempo para as próximas eleições autárquicas do que para as legislativas.

QOSHE - Falta menos tempo para as autárquicas do que para as legislativas - Pedro Anastácio
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Falta menos tempo para as autárquicas do que para as legislativas

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26.03.2024

A respeito do resultado das últimas eleições legislativas muito já se escreveu. A AD venceu as eleições, mesmo tendo sido a coligação de direita, liderada pelo PSD, que colheu menos votos de sempre para garantir o exercício da governação – nunca PSD e CDS somados tinham tido menos de 30% -, o que a torna frágil e enfraquecida à partida; o PS, mesmo em condições difíceis face à reconciliação falhada dos portugueses com as maiorias absolutas e perante uma operação judicial com contornos de outra coisa qualquer, conseguiu ainda colher mais votos do que em 2015; o CHEGA, com o auxílio e o empurrão de Belém, o décimo segundo jogador nesta peleja, consolidou-se como a grande força política em ascensão, no país e fora dele; o Livre afirmou-se; a IL esteve à altura do seu líder; o BE e o PAN mantiveram-se e o PCP voltou a perder, demonstrando que essa erosão não resulta de geometrias de entendimento.

Há, certamente, muitas coisas a conversar e a refletir entre e intra partidos, cidadãos e instituições, perante a eleição de 50 deputados de extrema-direita no ano em que se celebram os 50 anos do 25 de........

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