As eleições de março trouxeram uma novidade com consequências claras na forma de fazer política em Portugal. Depois de décadas com dois grandes polos parlamentares, hoje temos três, levando a que nada seja igual. Quem olhe hoje para o plenário da Assembleia da República vê o Chega e os seus 50 deputados à direita, a AD a ocupar o espaço central e o PS à esquerda. Esta imagem é mais do que simbólica e carrega consequências políticas. A AD tem assumido que a sua ação central será governar, o PS ‒ sentindo uma clara pressão à sua esquerda ‒ deseja liderar a oposição, e o Chega, entre a tentação de se enquadrar no sistema ou ser um pária contra o mesmo, tem optado pela última.

Na semana passada, a eleição da mesa da Assembleia da República foi demonstrativa disso, não contribuindo para uma grande esperança sobre o seu futuro. Para eleger José Pedro Aguiar Branco, um político moderado e idóneo que ninguém colocou em causa, foi comunicado aos maiores grupos parlamentares o nome do candidato e a intenção de votar favoravelmente todos os membros da mesa. Esta boa intenção passou por vários obstáculos, curvas, contracurvas, até alguns peões.

No seu desenrolar, digno do jantar final nos livros de Astérix, o Chega demonstrou que pode dizer tudo e o seu contrário para alcançar ganhos políticos, algo que acaba por enclausurá-lo numa posição extrema de voto contra tudo o que seja essencial. Foi o PS, apesar do mau começo, acabou por ser essencial para encontrar uma solução de normalidade institucional para o início desta legislatura. Pedro Nuno Santos e Francisco Assis demonstraram um elevado sentido de responsabilidade na construção de um consenso para o funcionamento parlamentar de toda a legislatura.

Passada esta fase, a Assembleia da República voltará a reunir-se para discutir o programa de Governo. Será aí que se votará a rejeição apresentada pelo grupo parlamentar do PCP. E também aí que o PS não votará favoravelmente a iniciativa, o que permitirá que o Governo venha a assumir, nos termos constitucionais, a plenitude dos seus poderes. Da parte do Chega, desde o voto favorável à iniciativa do PCP à apresentação de um voto próprio de rejeição, tudo é possível. Mais uma vez, dois dos polos parlamentares estarão pela estabilidade e um terceiro não.

Esse é um paradigma condenado à repetição. Também já se sabe que soluções para os que aguardam o respeito do Estado – polícias, professores e pensionistas – serão apoiadas pelo PS e que um conjunto de leis a aprovar no âmbito dos fundos da União Europeia estimularão o voto conjunto dos dois maiores partidos.

Perante este cenário, não sei como resolverá o Chega a sua tensão entre ser uma solução que abra outros horizontes eleitorais ou permanecer o partido antissistema que lhe rendeu 50 deputados. Sei que um histórico será inevitavelmente construído entre a AD e o PS, que foi fundado por Mário Soares e que naturalmente preservará aquilo que tem de melhor o legado de António Costa e de Fernando Medina.

Para citar o primeiro-ministro cessante, o normal é que as legislaturas e os mandatos dos governos durem quatro anos. Para que tal suceda, entendimentos ao centro não se resumirão à escolha da segunda figura do Estado. Pelo contrário, exigirão que todos ultrapassem o momento de campanha eleitoral e saibam atuar a cada momento com a devida elevação. O que se consumou esta semana não desagrada àqueles que defendem estabilidade e moderação. Não será a última vez nos próximos meses.

QOSHE - A estabilidade parlamentar é possível? - Diogo Feio
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A estabilidade parlamentar é possível?

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01.04.2024

As eleições de março trouxeram uma novidade com consequências claras na forma de fazer política em Portugal. Depois de décadas com dois grandes polos parlamentares, hoje temos três, levando a que nada seja igual. Quem olhe hoje para o plenário da Assembleia da República vê o Chega e os seus 50 deputados à direita, a AD a ocupar o espaço central e o PS à esquerda. Esta imagem é mais do que simbólica e carrega consequências políticas. A AD tem assumido que a sua ação central será governar, o PS ‒ sentindo uma clara pressão à sua esquerda ‒ deseja liderar a oposição, e o Chega, entre a tentação de se enquadrar no sistema ou ser um pária contra o mesmo, tem optado pela última.

Na semana passada, a eleição da mesa da Assembleia da República foi demonstrativa disso, não contribuindo para uma grande esperança sobre o seu futuro. Para eleger José Pedro Aguiar........

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