A retórica belicista de Vladimir Putin e dos seus acólitos contra a NATO e a União Europeia tem-se agravado à medida que nos aproximamos da eleição presidencial russa, marcada para 15 a 17 de março. A experiência ensina-nos que não há razões para surpresas. É uma tática habitual das ditaduras. A narrativa política desses regimes procura convencer os eleitores de dois logros: que o perigo vindo do “inimigo exterior”, assim designado embora não seja de facto um inimigo nem esteja na verdade a preparar-se para uma intervenção armada, é agora mais sério e iminente; e que apenas a reeleição do líder absoluto, com uma percentagem esmagadora de votos, poderá impedir o inimigo de lançar a pretensa agressão, inventada pela propaganda mentirosa do ditador. Por isso se ouve agora falar em Moscovo da possibilidade de uma terceira guerra mundial, um tema que faz parte das frequentes intervenções do bobo mais conhecido da corte de Putin, o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev.

Na minha opinião, Putin e os seus não querem entrar numa guerra aberta e generalizada com a NATO. Pretendem, isso sim, manter o controlo do poder político no seu país e transformar a feroz agressão contra a Ucrânia no que possa ser visto pela comunidade internacional como uma vitória militar russa. Em termos concretos, trata-se de abocanhar uma parte significativa do território ucraniano e de impor um armistício inteiramente baseado nas condições políticas definidas pelo Kremlin. Desse modo, reforçariam a sua imagem de grande potência no contexto internacional. Essa é uma das grandes preocupações de Putin, mostrar uma Rússia imbatível, na liga dos campeões e capaz de ditar a sua vontade política na esfera internacional. Sentir-se-iam mais seguros não apenas em relação ao Ocidente, mas também perante a China. A aliança com a China é vista, por influentes ideólogos do regime ultranacionalista de Putin, como uma faca de dois gumes. A amizade política e a cooperação com um país vizinho extremamente vasto, populoso e com milhares de quilómetros de fronteira comum esconde, ao mesmo tempo, as raízes de uma rivalidade que pode degenerar num grande conflito. É por isso que a Rússia precisa de mostrar músculo militar, a ocidente e a oriente.

Do lado europeu, como sempre insisto, seria um erro deixar por metade a ajuda à Ucrânia na defesa legítima da sua soberania. A combinação de meios económicos, diplomáticos, informacionais e militares é fundamental para convencer o Kremlin a pôr um ponto final à invasão iniciada em 2014. Quem não entende este facto e a necessidade de uma estratégia integrada, que combine os quatros vetores mencionados na frase anterior, está a criar as condições para que, mais tarde ou mais cedo, pululem na Europa uma série de governos opressivos, inspirados no que se passa na Rússia. Teríamos então uma Europa que seria um xadrez perigosíssimo de réplicas da Hungria.

Também seria um erro não aprontar o nosso espaço geopolítico para uma confrontação armada com a Rússia. Quem quer a paz, prepara-se para a guerra, já se dizia na antiga Roma. E embora se possa reconhecer, como o faço neste texto, que Putin não quer lá no fundo começar uma guerra com a nossa parte da Europa, essa possibilidade existe.

É preciso falar com franqueza. Estamos, como há muito não acontecia, numa situação complexa e perigosa. Não podemos aceitar nem o populismo nem a falta de ética nas relações internacionais.

O populismo mente, e só leva à confusão. Deixa de se entender o que deve ser prioritário para se responder apenas à caça ao voto e às sondagens. Os líderes populistas, à esquerda e à direita, prometem o impossível, gastam os recursos em políticas insustentáveis, criam dívidas que as gerações futuras terão de resolver e ignoram que a segurança e a defesa são indispensáveis para a salvaguarda da democracia. Não têm a coragem de falar verdade e de explicar que há momentos na história em que é preciso fazer sacrifícios. Os populistas são narcisistas e ditadores natos disfarçados de amigos do povo.

O desprezo pelos valores impede as alianças internacionais de funcionar. A cooperação é substituída pelo caos. Os países perdem a sua credibilidade e os princípios deixam de ser os padrões para a resolução dos conflitos. São esquecidas as referências éticas que foram sendo construídas ao longo de décadas. Os defensores do oportunismo, a que chamam realismo político, recuperam os palcos que haviam perdido.

No caso europeu, defende-se, com razão, a lei internacional, quando se trata da Ucrânia. Ao mesmo tempo e de modo incompreensível, expressa-se ambiguidade e frouxidão, quando se trata da desumanidade que está a ocorrer na Palestina. Esta insensatez faz-nos perder aliados, que bem necessários são, e tem, a prazo, um custo muito elevado.

QOSHE - Lutar contra a insensatez ou abrir as portas ao perigo populista? - Victor Ângelo
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Lutar contra a insensatez ou abrir as portas ao perigo populista?

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09.02.2024

A retórica belicista de Vladimir Putin e dos seus acólitos contra a NATO e a União Europeia tem-se agravado à medida que nos aproximamos da eleição presidencial russa, marcada para 15 a 17 de março. A experiência ensina-nos que não há razões para surpresas. É uma tática habitual das ditaduras. A narrativa política desses regimes procura convencer os eleitores de dois logros: que o perigo vindo do “inimigo exterior”, assim designado embora não seja de facto um inimigo nem esteja na verdade a preparar-se para uma intervenção armada, é agora mais sério e iminente; e que apenas a reeleição do líder absoluto, com uma percentagem esmagadora de votos, poderá impedir o inimigo de lançar a pretensa agressão, inventada pela propaganda mentirosa do ditador. Por isso se ouve agora falar em Moscovo da possibilidade de uma terceira guerra mundial, um tema que faz parte das frequentes intervenções do bobo mais conhecido da corte de Putin, o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev.

Na minha opinião, Putin e os seus não querem entrar numa guerra aberta e generalizada com a NATO. Pretendem, isso sim, manter o controlo do poder político no seu país e transformar a feroz........

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