Os mais recentes acontecimentos na esfera social e política portuguesa e do mundo, aliado à incerteza do futuro e às dificuldades crescentes das famílias são fatores de desgaste emocional. Em 2021, Portugal já era considerado o país com maior risco de burnout, tendo sido destacados fatores como a baixa produtividade, baixos salários mas com muitas horas de trabalho semanal.

Efetivamente trabalhando mais horas e, no caso de muitos portugueses acumulando trabalhos, o tempo de descanso e recuperação é menor. O ritmo é constantemente acelerado e o tempo dispendido entre o trabalho e a vida pessoal/familiar é, na maior parte das vezes, mal distribuído. A agravante é que em poucos casos compensa: é uma luta para ter um maior poder de compra, perde-se momentos importantes na vida pessoal e familiar, e paga-se caro com a nossa saúde.

Em outubro foram divulgados dois estudos com dados preocupantes nas áreas do direito, um com juristas, procuradores e advogados e o outro, promovido pela Direito Mental, focado somente nos últimos. Além de terem sido detetados vários casos de depressão, ansiedade e burnout não diagnosticados nestas populações, verificou-se o consumo de substâncias, como o álcool e as drogas, com o objetivo de mitigar o efeito do stress.

Contudo, Portugal não fica em primeiro lugar apenas como o país com maior risco de burnout, também são os que mais consomem ansiolíticos e antidepressivos. Além da toma recorrente desta medicação sem prescrição médica, facilitado por outros, por ser uma forma de colocar um penso rápido em alguns sintomas e continuar nesse ritmo louco, também é prescrito para diferentes fins.

Mas este não pode ser o caminho. Não é viável continuar neste registo de consumos e de pensos rápidos. É claro que não existe benefício: não atingimos a produtividade desejada, não temos retorno financeiro, gastamos imenso dinheiro com medicação e baixas e não estamos mais felizes nem realizados.

O foco tem de ser no ganho e manutenção de recursos individuais, organizacionais e sociais. A sua perda contínua sem o investimento em novos recursos é que provoca desgaste e pode culminar numa situação mais grave como o burnout. Se pensarmos num balão, sabemos que é mais difícil enchê-lo no início do que quando já tem ar lá dentro e, se pararmos de encher, ele vai-se esvaziando. Somos iguais! Temos de nos esforçar por obter, proteger e desenvolver recursos porque são eles que nos vão proteger do distress (stress negativo). Quando deixamos de investir nos nossos recursos (de encher o balão), aumentamos a probabilidade de perda dos mesmos (do ar) e de potenciar o stress (COR, Hobfoll 2001). Quando a fragilidade é maior, é mais difícil conseguir voltar a encher ativamente o balão e recorremos mais facilmente aos pensos rápidos. Contudo é necessário equilíbrio, a procura incessante por recursos pode ser uma fonte de stress e o objetivo não é que o balão rebente por excesso de pressão.

As estratégias devem ser ativas, orientadas à identificação e resolução dos problemas causadores de desgaste como procurar gerir melhor a situação, procurar apoio e adquirir novas competências. Evitar o problema, esperar que se resolva ou colocar pensos rápidos podem agudizar a questão e criar uma bola de neve.

Para inverter este caminho temos de investir numa real cultura de saúde e na promoção da recuperação ativa e do bem-estar das pessoas. O descanso é fundamental para produzir e não podemos adiar o enchimento do balão para as férias nem para os fins de semana. Quando isto acontecer ganham as pessoas, as organizações e a sociedade.

Psicóloga Organizacional

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Cuidar do balão é uma prioridade

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20.11.2023

Os mais recentes acontecimentos na esfera social e política portuguesa e do mundo, aliado à incerteza do futuro e às dificuldades crescentes das famílias são fatores de desgaste emocional. Em 2021, Portugal já era considerado o país com maior risco de burnout, tendo sido destacados fatores como a baixa produtividade, baixos salários mas com muitas horas de trabalho semanal.

Efetivamente trabalhando mais horas e, no caso de muitos portugueses acumulando trabalhos, o tempo de descanso e recuperação é menor. O ritmo é constantemente acelerado e o tempo dispendido entre o trabalho e a vida pessoal/familiar é, na maior parte das vezes, mal distribuído. A agravante é que em poucos casos compensa: é uma luta para ter um maior poder de compra, perde-se momentos importantes na vida pessoal e familiar, e paga-se caro com a nossa saúde.

Em outubro foram divulgados dois estudos com dados preocupantes nas........

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