Dr. Pedro Passos Coelho,

Ao ler na comunicação social as suas recentes declarações relativamente ao Chega, não posso dizer que tenha ficado surpreendido, pois compreendo que o seu posicionamento político e ideológico afasta o PSD do seu passado social-democrata, tornando-o permeável aos populismos de direita.

Fiquei, contudo, profundamente desapontado pela forma como o fez. Numa escola secundária, perante uma plateia de adolescentes, numa sessão dedicada à democracia e à liberdade.

Se entendemos que a missão da escola não é apenas "ensinar as matérias", mas também contribuir para a formação cívica dos jovens, no quadro dos valores fundamentais da dignidade humana, então o Dr. Pedro Passos Coelho prestou um péssimo serviço à escola, aos jovens e à democracia.

Ao dizer que o Chega "é um partido como os outros que estão presentes na Assembleia da República", transmitiu aos jovens que o ex-primeiro-ministro do nosso país considera o comportamento do Chega aceitável.

Não, Dr. Pedro Passos Coelho, não é aceitável, nem pode ser normal que um partido na Assembleia da República tenha como prática os insultos, as tiradas racistas e o bullying. Não é aceitável, nem pode ser normal que uma bancada parlamentar tenha um comportamento que a qualquer aluno do ensino secundário garantiria a expulsão da sala de aula e um processo disciplinar.

Se ao Dr. Pedro Passos Coelho não preocupa o desprezo pelas instituições democráticas e a degradação da vida política nacional, pelo menos preocupam a adolescente que o interpelou sobre a ameaça à democracia que trazem partidos como o Chega.

Aliás, a sua resposta de que "o Chega não é um partido antidemocrático" revela uma visão muito curta do que é a democracia.

Esta não se resume à participação em atos eleitorais, requer também o respeito pelas instituições (que o Chega despreza) e valores democráticos, incluindo os direitos humanos.

Assim como também não é atestado democrático a mera inscrição de um partido no Tribunal Constitucional, como defende de forma muito infeliz o vice-presidente do PSD Miguel Pinto Luz. Se assim fosse, também o Ergue-te (ex-PNR) seria democrático.

Certamente o Dr. Pedro Passos Coelho não andou distraído nos últimos anos e viu, como todos vimos, numerosas declarações racistas de André Ventura e muitos dirigentes do seu partido, ou a sua inacreditável proposta de confinamento específico da comunidade cigana durante a pandemia.

Estou certo que não ignora a condenação em tribunal de André Ventura e do Chega (sim, o próprio partido foi também condenado), com a sentença confirmada na Relação e no Supremo a sublinhar "a vertente discriminatória em função da cor da pele e da situação socioeconómica" das ofensas. Ou a promessa de André Ventura de "um bilhete só de ida", em resposta à "vaga islâmica", "no dia em que a bandeira do CHEGA estiver hasteada em São Bento". Ou o "Viva Salazar!" do líder parlamentar nas suas redes sociais.

Não, Dr. Pedro Passos Coelho, o Chega não é um partido normal nem democrático.

Que a verdade não lhe convenha, eu compreendo. Afinal, só apoiado nele o PSD pode aspirar a voltar a ser governo. Mas valerá tudo para alcançar o poder?

Respeitosos cumprimentos,

Pedro Marques

Sara Tavares

18 Valores

Partiu cedo demais, muito nova e com muito para dar. Sara Tavares teve um percurso singular na cultura, afastando-se do mainstream que conquistou muito nova, construindo um percurso de compreensão e aproximação de Portugal com toda a música lusófona, em particular a cabo-verdiana.

Eurodeputado

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Carta aberta a Pedro Passos Coelho

8 61
23.11.2023

Dr. Pedro Passos Coelho,

Ao ler na comunicação social as suas recentes declarações relativamente ao Chega, não posso dizer que tenha ficado surpreendido, pois compreendo que o seu posicionamento político e ideológico afasta o PSD do seu passado social-democrata, tornando-o permeável aos populismos de direita.

Fiquei, contudo, profundamente desapontado pela forma como o fez. Numa escola secundária, perante uma plateia de adolescentes, numa sessão dedicada à democracia e à liberdade.

Se entendemos que a missão da escola não é apenas "ensinar as matérias", mas também contribuir para a formação cívica dos jovens, no quadro dos valores fundamentais da dignidade humana, então o Dr. Pedro Passos Coelho prestou um péssimo serviço à escola, aos jovens e à democracia.

Ao dizer que o Chega "é um partido como os outros que estão presentes na Assembleia da República", transmitiu aos jovens........

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