Uma vez que se assistiu a mais uma entronização do presidente da Rússia, talvez seja um bom momento para analisar a situação ideológico-política local.

Após a quinta reeleição, Putin prepara-se para ultrapassar Lenine à frente dos destinos da Rússia. E essa continuidade significa que as práticas de guerra na Ucrânia seguirão inalteradas e haverá uma nova oportunidade para se intrometer nas presidenciais americanas. Provavelmente, Lenine não daria voltas na campa ao ver aquilo em que a Rússia se transformou.

Ainda que determinadas fações façam querer que existe comunismo na Rússia, talvez por saudosismo ou puro tacticismo político, a Rússia de hoje tem muito pouco de comunista ou mesmo de socialista, no sentido da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O sistema que hoje lá vigora é uma mera ditadura e arrisco mesmo a afirmar que sem ideologia. A existir, seguramente não é comunista.

A Rússia de Putin é a que alterou a constituição para que o presidente possa acumular mandatos sucessivos. É também a Rússia que silencia a oposição, que está em guerra com os seus vizinhos e que financia os partidos de extrema direita europeus.

É ainda a Rússia que tem como aliado o representante máximo da extrema-direita americana e o país que impede o alcance da paz noutras áreas do mundo a coberto do sistema vigente, sob o manto de atos eleitorais sucessivos, vetos e boicotes às ações das nações unidas.

A intromissão russa pelo mundo fora levou a Europa a modernizar a sua política ambiental e poderá, inclusivamente, provocar um aceleramento considerável da sua política de defesa.

Putin sabe bem que, mais do que determinado ideal, o interesse de grande parte dos seus aliados advém do seu ouro (não do rublo, mas do dólar) e, por isso, não olha aos meios para alcançar os seus objetivos.

A Rússia do presente assemelha-se muito a alguns estados subdesenvolvidos, ou em vias de desenvolvimento, na medida em que a ideologia ficou esquecida algures no tempo (pelo menos para as cúpulas, com consequências pesadas para o povo).

São estados maioritariamente rendidos ao “vil metal”, onde muitos se eternizam no poder e, nas cimeiras internacionais, acabam por reencontrar-se para conhecer os líderes do “mundo livre”, que de tempos a tempos, fruto da limitação de mandatos ou da vontade popular, lá vão mudando.

Ao longo do fim-de-semana milhões de cidadãos russos dirigiram-se às urnas para exercer o seu direito de voto; alguns por livre arbítrio, outros forçados e ao meio dia em ponto.

Também em Portugal já se viveram contextos semelhantes. No ano em que a liberdade e a democracia cumprirão 50 anos, fica o desejo para todos os russos que em breve lhes possa chegar a madrugada de Sophia: “(…) a madrugada que eu esperava, o dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio, e livres habitamos a substância do tempo”.

QOSHE - A Rússia do meio dia - Manuel Portugal Lage
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A Rússia do meio dia

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19.03.2024

Uma vez que se assistiu a mais uma entronização do presidente da Rússia, talvez seja um bom momento para analisar a situação ideológico-política local.

Após a quinta reeleição, Putin prepara-se para ultrapassar Lenine à frente dos destinos da Rússia. E essa continuidade significa que as práticas de guerra na Ucrânia seguirão inalteradas e haverá uma nova oportunidade para se intrometer nas presidenciais americanas. Provavelmente, Lenine não daria voltas na campa ao ver aquilo em que a Rússia se transformou.

Ainda que determinadas fações façam querer que existe comunismo na Rússia, talvez por saudosismo ou puro tacticismo político, a Rússia de hoje tem muito pouco de comunista ou mesmo de socialista, no........

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