Ao longo dos séculos e dinastias, o confucionismo - tornado ideologia burocrática para servir os interesses do Império do Meio - reinventou-se constantemente, acomodando-se às orientações filosóficas e políticas dominantes da época (p. ex., durante a Dinastia Song integrou elementos das filosofias budista e taoista que então varriam a China).

Confúcio.

© D.R.

Com a implantação da República, em 1912, o confucionismo perdeu adesão - afinal de contas fora a soberba dos confucionistas de resistência à modernização e de considerar o moderno conhecimento [ocidental] como estranho e frívolo que levaram ao atraso e humilhação da China perante potências estrangeiras no século XIX - tendo sido ridicularizado e insultado durante o "Movimento por uma Nova Cultura". Quando os nacionalistas do Kuomintang passaram a governar o país em 1927, o confucionismo recuperou parte do seu estatuto perdido. Com a criação da R. P. da China, em 1949, o confucionismo tornou-se anátema. Nem sempre fora essa a posição do Partido Comunista Chinês (PCC). No seu discurso na Sexta Sessão Plenária do Sexto Comité Central do PCC em 1938 - que estabeleceu a preeminência incontestável de Mao Tsé-tung - Mao afirmou que os membros do PCC deviam estudar a "herança histórica" da China e "preservar o precioso legado de Confúcio a Sun Yat-sen" para adaptar o marxismo e o leninismo às condições específicas da China.

Mao Tsé-tung em 1935.

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Todavia, após 1949, o PCC considerava o sistema de crenças confucionista burguês e reacionário; Confúcio e Mêncio "representavam proprietários de escravos e aristocratas", pelo que eram considerados "inimigos do povo". A Revolução Cultural (1966-1976), com a exortação de Mao para "Esmagar as Quatro [Coisas] Velhas" - "velhas ideias", "velha cultura", "velhos costumes", "velhos hábitos" - combateu ferozmente o confucionismo, tendo levado à destruição de centenas de templos e à queima de textos confucionistas, tendo Os Analectos sido banidos.

"SCATTER THE OLD WORLD, BUILD A WORLD", 1967

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Na década de 1980, ainda era tão difamado que o historiador Yu Ying-shih dizia que o confucionismo se tornara uma "alma errante" desprovida de um "corpo" institucional.

Com a política de liberalização e abertura ao exterior promovida por Deng Xiaoping, a China passou por uma transformação social que gradualmente conduziu a um florescimento de ideias que bebeu muito da influência das sociedades ocidentais, tendo colocado o PCC sob grande pressão para mudanças, incluindo no que respeita à melhoria do sistema legal e à reforma política. Com a liderança do PCC a manter a "luta firme contra a liberalização burguesa", a insatisfação de vários setores da sociedade chinesa, a começar por estudantes universitários, face à resistência à mudança conduziu, em 1989, a sucessivas manifestações e à ocupação da Praça de Tiananmen, em Pequim, onde os jovens erigiram uma estátua da "Deusa da Democracia".

Após 1949, o PCC considerava o sistema de crenças confucionista burguês e reacionário; Confúcio e Mêncio "representavam proprietários de escravos e aristocratas", pelo que eram considerados "inimigos do povo".

Após o massacre de Tiananmen e subsequente repressão, o PCC e vários think tanks chineses procuraram desesperadamente aquela mistura de filosofia e história que pudesse instilar um sentimento nacionalista e insular as massas chinesas, em especial os jovens, dos valores ocidentais (democracia, liberdades civis) que influenciaram os de Tiananmen e que entr[av]am diariamente pela China adentro através de VPN que permitem ultrapassar a Grande Firewall. É dessa reflexão que resulta o regresso de Confúcio, pela mão do PCC...

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Do regresso de Confúcio ao leninismo confucionista (I)

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15.11.2023

Ao longo dos séculos e dinastias, o confucionismo - tornado ideologia burocrática para servir os interesses do Império do Meio - reinventou-se constantemente, acomodando-se às orientações filosóficas e políticas dominantes da época (p. ex., durante a Dinastia Song integrou elementos das filosofias budista e taoista que então varriam a China).

Confúcio.

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Com a implantação da República, em 1912, o confucionismo perdeu adesão - afinal de contas fora a soberba dos confucionistas de resistência à modernização e de considerar o moderno conhecimento [ocidental] como estranho e frívolo que levaram ao atraso e humilhação da China perante potências estrangeiras no século XIX - tendo sido ridicularizado e insultado durante o "Movimento por uma Nova Cultura". Quando os nacionalistas do Kuomintang passaram a governar o país em 1927, o confucionismo recuperou parte do seu estatuto perdido. Com a criação da R. P. da China,........

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