Elon Musk, o multimilionário dono do X, manteve-se em silêncio quando, por causa de um tweet, o professor reformado Muhammad al-Ghamdi foi condenado à morte por enforcamento pelo regime autocrático da Arábia Saudita. O professor “descreveu o rei ou o príncipe coroado em termos que afrontam a justiça ou a religião”, diz a sentença.

E, há menos de seis meses, Musk escreveu “haja prosperidade para todos” na legenda de uma foto sua com o mesmo Xi Jinping que proíbe o X de funcionar na China.

Pois Musk, que se cala perante o regime saudita e se acovarda ao lado do presidente chinês, resolveu chamar no último domingo, dia 7, um juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) de “ditador brutal” por este ter bloqueado contas do X.

Os perfis suspensos por Alexandre de Moraes são de utilizadores investigados num processo chamado “milícias digitais”, que, segundo a polícia, agiam nas redes para disseminar discurso de ódio contra as instituições brasileiras.

E de usuários alvo de um inquérito batizado de “8 de janeiro” por estarem envolvidos no planeamento de um golpe de estado promovido por membros do governo de Jair Bolsonaro e por elementos das Forças Armadas. O plano visava manter Bolsonaro no poder e impedir que Lula da Silva tomasse posse, mesmo depois de o segundo ter batido o primeiro nas urnas. E ainda prender o próprio Moraes e demais juízes do STF, além de dissolver o Congresso.

Recapitulando: Musk opta por se silenciar perante o autocrata Mohammed bin Salman. E não se aflige com um regime de partido único, como o da China, desde que “haja prosperidade” para o seu bolso. Mas ataca um juiz que agiu para impedir uma tentativa de golpe de estado, em pleno 2024, no Brasil.

Entre os militares suspeitos de participarem no golpe está o general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa do governo Bolsonaro.

Nogueira começou, antes das eleições de 2022, por integrar uma comissão de transparência das Forças Armadas formada para atestar a fiabilidade do voto eletrónico, muito contestado por Bolsonaro e pelo gado bolsonarista através das tais “milícias digitais”.

A finalidade da sua participação no órgão, porém, nunca foi atestar se o voto eletrónico era fiável ou não, porque sempre soube que era, mas apenas garantir a vitória de Bolsonaro, conforme palavras do próprio numa reunião entre golpistas, cujo vídeo está na posse dos investigadores. “Vou falar aqui muito claro, senhores: a comissão é para inglês ver”, disse ele.

Nogueira apresentou ainda uma minuta, redigida por um assessor de Bolsonaro, com o passo a passo do golpe aos então comandantes do Exército e da Marinha onde se sugeria a declaração de Estado de Sítio ou Estado de Defesa para justificar a troca de Lula por Bolsonaro no Planalto e o fecho das instituições. Quem o disse foi o ex-comandante do Exército, que se negou, ao contrário do ex-comandante da Marinha, em prosseguir com o golpe. Nogueira nasceu em Iguatu, interior do Ceará, há 65 anos, e não há notícia de que perceba de carros elétricos. Musk é de Pretoria, na África do Sul, tem 52, e jamais tinha ido ao Brasil até 19 de maio de 2022.

Nesse dia, os dois cruzaram-se e Nogueira, o amante de golpes, decidiu oferecer a Musk, o amante de ditaduras, a medalha da Ordem do Mérito da Defesa, no grau de Comendador. A imagem dos dois, o general, de sorriso no rosto e ar encantado, e o multimilionário, de medalha ao pescoço e ar enfadado, não envelheceu nada bem.


Jornalista, correspondente em São Paulo

QOSHE - O general e o multimilionário - João Almeida Moreira
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O general e o multimilionário

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12.04.2024

Elon Musk, o multimilionário dono do X, manteve-se em silêncio quando, por causa de um tweet, o professor reformado Muhammad al-Ghamdi foi condenado à morte por enforcamento pelo regime autocrático da Arábia Saudita. O professor “descreveu o rei ou o príncipe coroado em termos que afrontam a justiça ou a religião”, diz a sentença.

E, há menos de seis meses, Musk escreveu “haja prosperidade para todos” na legenda de uma foto sua com o mesmo Xi Jinping que proíbe o X de funcionar na China.

Pois Musk, que se cala perante o regime saudita e se acovarda ao lado do presidente chinês, resolveu chamar no último domingo, dia 7, um juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) de “ditador brutal” por este ter bloqueado contas do X.

Os perfis suspensos por Alexandre de Moraes são de utilizadores investigados num processo chamado “milícias digitais”, que,........

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