A Europa está “cada vez mais em perigo” e falta-lhe “um Pentágono”. Isto não foi dito por algum comentador mais alarmista ou menos ponderado. Foi assumido pelo alto representante da União Europeia para a Política de Segurança.

Durante a apresentação da Estratégia conjunta para a Defesa Europeia, com a vice-presidente executiva da Comissão Europeia Margrethe Vestager e o comissário para o Mercado Interno, Thierry Breton, ao lado, Josep Borrell pôs o dedo na ferida: “A guerra de agressão russa trouxe um grande sentido de urgência para aumentar as capacidades industriais de defesa.”

Borrell foi mais longe: “Se no início da guerra se dependia só de stocks, dois anos depois e sem sinais de abrandamento do conflito ou de uma resolução, é preciso ir pela via do reforço da capacidade industrial de defesa.”

A União Europeia não é uma aliança militar. Mas tem de haver uma política de segurança comum, que começa na capacidade de os países do bloco comunitário poderem satisfazer as necessidades próprias de armazenamento de munições e outros equipamentos militares. “É preciso sair do modo de emergência para ajudar a Ucrânia e avançar para uma lógica a médio e longo prazo que reforce a prontidão dos Estados-membros, com as quantidades necessárias de munições e equipamentos”, insiste Borrell.

As necessidades são elevadas. A transição de uma “economia de paz para uma economia de guerra” deverá custar qualquer coisa como 100 mil milhões de euros. A estratégia da Comissão Europeia não tem o foco num aumento dramático da capacidade de produção - que não seria possível em pouco tempo -, mas sim no financiamento e, sobretudo, na coordenação entre os Estados-membros, de modo a que os 27 estejam articulados nos esforços e nas aquisições.

Antes da invasão russa da Ucrânia, a indústria europeia respondia a 40% das necessidades de defesa dos Exércitos dos Estados-membros. A agressão russa levou a uma necessidade de comprar fora do espaço europeu. Só 18% das compras são feitas em cooperação. Um dos pilares do plano da Comissão é duplicar essa cooperação até ao final da década.

Outros dois pontos essenciais passam por assegurar que, até 2030, o valor do comércio de defesa intra-UE represente, pelo menos, 35% do valor do mercado da defesa da EU e adquirir pelo menos 50% do seu orçamento de contratos públicos no setor da Defesa na UE até 2030 e 60% até 2035.
A UE propõe um programa de 1,5 mil milhões de euros para a Defesa, num pacote estratégico a concretizar entre 2025 e 2027. O valor é, obviamente, escasso para as necessidades prementes - mas constitui um primeiro impulso para que os Estados-membros façam a sua parte. A estratégia é colocar forte ênfase no papel das pequenas e médias empresas europeias.

Macron virou finalmente. Há dois anos quis ser o “pivô” europeu para um possível apaziguamento com o agressor Putin; está agora a querer assumir-se como o líder europeu mais determinado na travagem à ameaça de Moscovo. “Se a Rússia avançar para Odessa ou Kiev, a França envia militares”, voltou a insistir na sexta-feira, depois de várias declarações de reforço sobre o que disse após a reunião de líderes europeus em Paris, em que não excluiu um futuro cenário de ser necessário enviar tropas ocidentais para a Ucrânia, se estiver em causa uma possível vitória da Rússia.

“Não é tempo de sermos cobardes”, avisa Macron. Os aliados de Kiev “não podem ser abalados”, porque a Rússia “pode ser imparável”.

A França firmou parcerias com empresas ucranianas para produzir equipamento militar na Ucrânia. Macron apoia a iniciativa liderada pela República Checa de compra e entrega urgente de munições às Forças Armadas Ucranianas, que enfrentam escassez de material na frente de batalha contra a Rússia. O Kremlin já sinalizou a mudança de Paris. Medvedev, ex-presidente da Rússia e atual vice-presidente do Conselho de Segurança russo, diz que não há “mais linhas vermelhas livres para a França”: “Contra os inimigos tudo é permitido”.

O presidente checo, o general Petr Pavel, já liderou o Comité Militar da NATO e é, neste momento, um dos líderes que melhor noção tem do que está em causa em redor da ameaça russa à Europa. Tem promovido um plano que possa dar resposta ao projeto estagnado da União Europeia de fornecer um milhão de munições de artilharia à Ucrânia. Zelensky lamentou que a Europa só tenha cumprido, até agora, 30% dessa promessa (nem sequer, por isso, a “metade” que Borrell tinha assumido).

De acordo com o presidente checo, as potências europeias acumularam quase meio milhão de cartuchos de calibre 155 milímetros e outros 300 mil mísseis de calibre 122 milímetros. A iniciativa poderá receber financiamento quer bilateralmente, quer através do Fundo Europeu para a Paz, um instrumento de financiamento da União Europeia promovido antes do início da invasão russa da Ucrânia. Já aderiram ao pleno checo, acordado na Conferência de Apoio à Ucrânia realizada na semana passada em Paris, países europeus como Bélgica, Dinamarca, Lituânia e Países Baixos, e outras potências internacionais como o Canadá.

Numa fase em que quase tudo parece favorecer a Rússia no terreno, os últimos dias voltaram a recordar-nos que Putin cometeu um gigantesco erro estratégico a 24 de fevereiro de 2022.
Se o presidente da Rússia queria travar o alargamento da NATO a leste, em pouco mais de dois anos o que tem é um grande alargamento da NATO a norte. Depois da Finlândia se ter consumado como membro 31 da Aliança Atlântica, eis que a Suécia se confirmou como membro 32.

Um “momento histórico” para a segurança da Europa, apontou Ursula Von der Leyen. “Uma Europa mais soberana, em particular na Defesa, é vital para fortalecer a Organização do Tratado do Atlântico Norte”, destacou a presidente da Comissão Europeia.

O primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, teve direito a grande destaque como convidado do discurso do Estado da União, feito por Joe Biden. E reagiu à adesão do seu país à NATO, afirmando que a Rússia vai continuar a ser uma séria ameaça à Aliança Atlântica num futuro próximo. “A unidade e a solidariedade serão os princípios orientadores da Suécia enquanto membro da NATO. Vamos partilhar os encargos, responsabilidades e riscos com os nossos aliados.”

A poucas semanas de poder receber na Turquia Vladimir Putin - será a primeira vez que o presidente da Rússia se desloca a território NATO desde a invasão da Ucrânia -, Erdogan recebeu Zelensky e ofereceu-se para acolher uma cimeira de paz entre Rússia e Ucrânia. O presidente ucraniano agradeceu a Erdogan o “trabalho conjunto para aproximar a paz”. O presidente turco comprometeu-se a participar ativamente na “reconstrução da Ucrânia”.

O míssil russo que explodiu a poucas centenas de metros de Zelensky e Mitsotakis em Odessa voltou a lembrar-nos da verdadeira extensão do perigo russo, perante o comportamento criminoso e ameaçador de quem está a mandar no Kremlin. A Grécia é o segundo país europeu que maior percentagem do seu PIB atribui à Defesa, logo após a Polónia. E Odessa é, cada vez mais, um objetivo estratégico para o plano expansionista de Putin, na perspetiva de alargar a agressão à Moldávia e aproximar a ameaça ao flanco Leste da NATO.

“Ninguém está intimidado com esta tentativa de terror”, garantiu, na altura, Ursula Von der Leyen. Mas estaremos nós, europeus, suficientemente alerta para o que pode estar para vir?

Temos de acordar.

QOSHE - Temos de acordar - Germano Almeida
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10.03.2024

A Europa está “cada vez mais em perigo” e falta-lhe “um Pentágono”. Isto não foi dito por algum comentador mais alarmista ou menos ponderado. Foi assumido pelo alto representante da União Europeia para a Política de Segurança.

Durante a apresentação da Estratégia conjunta para a Defesa Europeia, com a vice-presidente executiva da Comissão Europeia Margrethe Vestager e o comissário para o Mercado Interno, Thierry Breton, ao lado, Josep Borrell pôs o dedo na ferida: “A guerra de agressão russa trouxe um grande sentido de urgência para aumentar as capacidades industriais de defesa.”

Borrell foi mais longe: “Se no início da guerra se dependia só de stocks, dois anos depois e sem sinais de abrandamento do conflito ou de uma resolução, é preciso ir pela via do reforço da capacidade industrial de defesa.”

A União Europeia não é uma aliança militar. Mas tem de haver uma política de segurança comum, que começa na capacidade de os países do bloco comunitário poderem satisfazer as necessidades próprias de armazenamento de munições e outros equipamentos militares. “É preciso sair do modo de emergência para ajudar a Ucrânia e avançar para uma lógica a médio e longo prazo que reforce a prontidão dos Estados-membros, com as quantidades necessárias de munições e equipamentos”, insiste Borrell.

As necessidades são elevadas. A transição de uma “economia de paz para uma economia de guerra” deverá custar qualquer coisa como 100 mil milhões de euros. A estratégia da Comissão Europeia não tem o foco num aumento dramático da capacidade de produção - que não seria possível em pouco tempo -, mas sim no financiamento e, sobretudo, na coordenação entre os Estados-membros, de modo a que os 27 estejam articulados nos esforços e nas aquisições.

Antes da invasão russa da Ucrânia, a indústria europeia respondia a 40% das........

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