Esta Europa da Paz e da prosperidade pós II Guerra Mundial, que adormeceu com o guarda-chuva militar americano, tem de acordar. A boa notícia é que há sinais que nos levam a acreditar que esteja, finalmente, a acordar.

Se for reeleita (tudo indica que será), Ursula von der Leyen fará da Defesa o grande tema do próximo mandato na Comissão Europeia. Ministra da Defesa da Alemanha entre 2013 e 2019, a presidente da Comissão sabe o que é preciso fazer nos próximos anos e, sobretudo, o que não se pode mesmo voltar a falhar, para que continuemos a ter uma Europa segura, livre e capaz de fazer as suas escolhas sem o medo de ser perturbada por adversários autoritários com devaneios de agressão (sim, estou a falar da Rússia de Putin).

Ursula estava num lugar crucial dos executivos de Merkel durante os anos em que Berlim acreditou em demasia na proximidade com Putin, por via do aprofundamento comercial com a Rússia. A 24 de fevereiro de 2022 percebemos, chocados, que era preciso apagar à pressa a palavra “aprofundamento” e colocar “dependência” ou “submissão”.

O caminho é longo.

Mais seguro do que acreditarmos no que os países dizem querer cumprir em 2024 será olharmos para o que realmente aconteceu nos países europeus - estejam ou não na UE - em 2023: só dez estiveram já acima dos 2% do PIB para a Defesa.

São eles Polónia (3,9%), Grécia (3,01%), Estónia (2,73%), Lituânia (2,54%), Finlândia (2,45%), Roménia (2,44%), Hungria (2,43%), Letónia (2,27%), Reino Unido (2,07%) e Eslováquia (2,03%). Portugal está entre a forte maioria que até 2023 ficou aquém: França (1,90%), Montenegro (1,87%), Macedónia do Norte (1,87%), Bulgária (1,84%), Croácia (1,79%), Albânia (1,76%), Países Baixos (1,70%), Noruega (1,67%), Dinamarca (1,65%), Alemanha (1,57%), Chéquia (1,50), Portugal (1,48%), Itália (1,46%), Canadá (1,38%), Eslovénia (1,35%), Turquia (1,31%), Espanha (1,26%), Bélgica (1,13%) e Luxemburgo (0,72%). Portugal passará a estar na minoria que, mesmo depois de 2024, se manterá bem abaixo dos 2%.

Enquanto a Rússia subiu oficialmente a sua percentagem do PIB para a Defesa para valores acima dos 6% (sendo que se estima que esteja na verdade a gastar perto de um terço do orçamento deste ano nos esforços de guerra na Ucrânia), a média dos orçamentos de Defesa dos países da UE só em 2024 atingiu os 2%. Os EUA gastam 3,9% (em valor absoluto isso é o dobro de todos os orçamentos dos Estados europeus juntos).

Vamos ter de gastar mais (da Cimeira da NATO, a realizar em julho em Washington pode sair a necessidade de se atingir os 3% até 2030), mas não chega: teremos de o fazer de modo mais inteligente e efetivo, comprando em conjunto e alargando os mercados. A ideia forte é reduzir a dependência europeia dos EUA, no que toca à Defesa (aconteça o que acontecer a 5 de novembro). Para se vencer o desafio que a Defesa nos irá colocar a todos nos próximos anos é necessário focar num objetivo fácil de definir, mas muito difícil de atingir: autossuficiência.

A ideia da Estratégia Comum de Defesa Europeia passa por articular esforços e conjugar apostas, numa área diferente de todas as outras, em que os elevados custos não podem ser encarados de forma economicista e têm de ser incluídos num bem comum em relação ao qual nós, europeus, teremos que nos habituar a valorizar mais: o de garantirmos a soberania e a integridade territorial, sem as quais nada do restante fará sentido.

Sem garantia da integridade territorial não há futuro. Ou seja: sem Defesa não há futuro. Perguntem aos ucranianos e eles explicam-vos em segundos como, infelizmente, nada disto é “exagero” ou “alarmismo”.

Nunca é tarde para fazer o que é certo, mesmo que seja difícil. Nunca é tarde até ser demasiado tarde.

QOSHE - Sem Defesa não há futuro - Germano Almeida
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Sem Defesa não há futuro

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04.04.2024

Esta Europa da Paz e da prosperidade pós II Guerra Mundial, que adormeceu com o guarda-chuva militar americano, tem de acordar. A boa notícia é que há sinais que nos levam a acreditar que esteja, finalmente, a acordar.

Se for reeleita (tudo indica que será), Ursula von der Leyen fará da Defesa o grande tema do próximo mandato na Comissão Europeia. Ministra da Defesa da Alemanha entre 2013 e 2019, a presidente da Comissão sabe o que é preciso fazer nos próximos anos e, sobretudo, o que não se pode mesmo voltar a falhar, para que continuemos a ter uma Europa segura, livre e capaz de fazer as suas escolhas sem o medo de ser perturbada por adversários autoritários com devaneios de agressão (sim, estou a falar da Rússia de Putin).

Ursula estava num lugar crucial dos executivos de Merkel durante os anos em que Berlim acreditou em demasia na proximidade com Putin, por via do aprofundamento comercial com a Rússia. A 24 de........

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