"Se queremos a paz, preparemo-nos para a guerra"
CHARLES MICHEL,
presidente do Conselho Europeu

O título, roubado ao enorme Fausto Bordalo Dias (em tema de 1987, incluindo no álbum Para Além das Cordilheiras), lembra-nos de como existe mesmo uma identidade europeia e de como é fundamental que esse espaço seja preservado e protegido das novas ameaças destes estranhos anos 20.

A década anterior já tinha testado os limites da resiliência do projeto europeu: crise das dívidas soberanas, profunda crise migratória, crise do euro, risco de queda da Grécia, Brexit, Trump a ser o primeiro presidente dos EUA pós II Guerra Mundial com discurso antieuropeu.

A tudo isto a Europa resistiu melhor do que nós próprios, europeus, imaginámos. Sim, a Europa é também um projeto com um profundo problema de comunicação: dota os seus cidadãos de muito mais benefícios do que a perceção da população europeia apanha. É de temer que esta contradição volte a ser demonstrada nas próximas eleições europeias de junho.

Se os desafios surgidos na década anterior foram ultrapassados com maior eficácia do que se esperava (mesmo em momentos em que isso parecia impossível), esta década está a ser ainda mais desafiante: começou com a pandemia, prosseguiu com a invasão russa da Ucrânia, agravou-se com a maior guerra no Médio Oriente em mais de meio século.

Pelo meio, influenciando todos estes temas aparentemente diferentes, mas com pontos em comum muito relevantes, está a desinformação e outros instrumentos de desgaste das democracias liberais, acelerados pela tecnologia.

A Europa demorou (primeiro estranhou, depois entranhou), mas está a acordar para o maior desafio que a espera nos próximos anos: travar a ameaça russa e preservar o seu espaço de Segurança e Liberdade.
Isso exige coragem e liderança. Coragem de explicar às pessoas o que está verdadeiramente em causa e o que poderemos ter de mudar para evitar o pior; liderança porque os grandes decisores não se forjam na facilidade e na previsibilidade: revelam-se nos momentos de risco e incerteza.

Durante décadas, nós, europeus, acreditámos que podíamos descansar à sombra do guarda-chuva militar norte-americano: e isso, mesmo que Trump perca em novembro, acabou. Nos últimos anos, acreditámos que os ímpetos da Rússia de Putin eram geríveis com aprofundamento económico: essa ideia, que tanto jeito dava que fosse correta, estava completamente errada.

A grande dúvida - para a qual ninguém de boa-fé poderá dizer que tem resposta séria neste momento - é saber se ainda vamos a tempo de preservar o essencial. O projeto europeu construiu-se e consolidou-se numa base de solidariedade e subsidiariedade, mas com o enorme poder de oferecer uma prosperidade comum (à custa de perda de soberania nacional, é certo) e de uma certa promessa de progresso e estabilidade.

A agressão russa na Ucrânia mudou quase tudo. Macron teve o dom de resumir o essencial: “Se a Rússia vencer, a vida dos franceses muda. A segurança europeia fica totalmente em causa”.

Isso ajuda a definir os termos: a guerra no teatro ucraniano não atinge só a Ucrânia - projeta uma ameaça a todo o edifício europeu.

A provável (desejável) reeleição de Von der Leyen para novo mandato à frente da Comissão Europeia terá como ideia forte a afirmação da Defesa como pilar principal. Será possível passar do papel à ação?

Voltemos ao enorme Fausto e à sua bela Europa, querida Europa: “Do diverso sistema do modo diferente/da era da guerra e agora da paz/és assim querida Europa”. Três décadas e meia depois, temos de trocar a ordem: hoje seria “da era da paz e agora da guerra”. Sim, da guerra. Temos de nos habituar a isso.

Nunca é tarde para termos a reação certa.



QOSHE - Europa, querida Europa - Germano Almeida
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Europa, querida Europa

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24.03.2024

"Se queremos a paz, preparemo-nos para a guerra"
CHARLES MICHEL,
presidente do Conselho Europeu

O título, roubado ao enorme Fausto Bordalo Dias (em tema de 1987, incluindo no álbum Para Além das Cordilheiras), lembra-nos de como existe mesmo uma identidade europeia e de como é fundamental que esse espaço seja preservado e protegido das novas ameaças destes estranhos anos 20.

A década anterior já tinha testado os limites da resiliência do projeto europeu: crise das dívidas soberanas, profunda crise migratória, crise do euro, risco de queda da Grécia, Brexit, Trump a ser o primeiro presidente dos EUA pós II Guerra Mundial com discurso antieuropeu.

A tudo isto a Europa resistiu melhor do que nós próprios, europeus, imaginámos. Sim, a Europa é também um projeto com um profundo problema de comunicação: dota os seus cidadãos de muito mais benefícios do que a perceção da população europeia........

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