A invasão russa da Ucrânia revitalizou a NATO enquanto pilar de uma construção de valores comuns de paz e prosperidade. Três quartos de século depois da assinatura do Tratado de Washington, voltou a ser muito claro que a grande ameaça se encontra em Moscovo - e há que travá-la.

As três décadas posteriores à queda do Muro de Berlim e à desagregação da URSS geraram-nos a ilusão de que a Rússia já não constituiria essa ameaça. Muitos chegaram, até, a apressar-se em concluir que a verdadeira razão de ser da NATO estava a desvanecer-se.

Em 2019, há apenas cinco anos, em plena presidência Trump, Macron exortara: “A NATO entrou em estado de morte cerebral.”

A três meses da Cimeira de Washington, momento chave para que se tomem decisões cruciais para o rumo que a Aliança Atlântica vier a adotar, temos de perceber que o dilema da NATO é profundo: não sabe se continuará a contar verdadeiramente com o seu grande contribuinte - os EUA.

A Aliança sublima os interesses comuns de defesa entre os dois lados do Atlântico. A grande questão, neste momento absolutamente decisivo das relações internacionais, é que não é certo que o ramo americano e o ramo europeu continuem a ter as mesmas prioridades estratégicas.

Os Estados Unidos veem como maior ameaça geopolítica a evolução no Indo-Pacífico, perante o crescimento expansionista da China. A Europa sabe que tem na invasão russa da Ucrânia uma série ameaça existencial: se a Rússia ganhar e ocupar grande parte de um país que pretende entrar na UE e já foi admitido como candidato, é todo o projeto europeu que fica em causa.

Uma Rússia imperial às portas da UE alteraria toda a arquitetura de segurança europeia - e é por isso que é tão importante perceber que a nova fronteira da Europa democrática passou a estar na Ucrânia.

Não nos confundamos: americanos e europeus estão alinhados na necessidade de travar o agressor russo, pelo menos enquanto Joe Biden continuar a sentar-se na Sala Oval. Mas a escala de prioridades é diferente: a proximidade geográfica torna a ameaça russa mais perigosa para nós, europeus, enquanto para os EUA a questão foca-se mais na necessidade que as democracias liberais prevaleçam sobre o risco autocrático. Se Putin tiver grande sucesso militar no teatro ucraniano, os ímpetos neoimperiais não se cingirão à Rússia e poderão incitar outros eventuais agressores.

O grande desafio é, por isso, o da conciliação entre Washington e as capitais europeias.

A Administração Biden está convencida que a China de Xi Jinping está só à espera do momento mais adequado para fazer uma intervenção militar em Taiwan. Provavelmente não antes da eleição americana, mas quase de certeza que antes de 2027 (ano em que termina o atual mandato do presidente Xi). Possivelmente durante os anos 2025 ou 2026.

Nesta era de total imprevisibilidade, é mais seguro contar com o que não sabemos - esperando, assim, pelo inesperado.

Ganhar Biden ou Trump fará, como já percebemos, toda a diferença para a Europa e, muito em especial, para a Ucrânia. Mas talvez nesta questão da pré-anunciada agressão chinesa sobre Taiwan haja uma exceção: com ou sem regresso de Trump, Pequim já não deverá recuar nessa decisão que, a avaliar pelos últimos discursos de Xi, se revela crucial na projeção de força da afirmação da China.

A China gosta de ver os EUA demasiado empenhados militarmente na ajuda à Ucrânia: enquanto isso se prolongar, a capacidade de Washington dissuadir Pequim a invadir Taiwan será menor - o mesmo podendo dizer-se sobre uma eventual reação militar de Washington (já prometida por Biden) se a China consumar essa intenção.

Trump vai, precisamente, fazer deste cenário um argumento eleitoral para reduzir ou mesmo terminar a ajuda à Ucrânia. Será fundamental que os dois lados do Atlântico se articulem até novembro (sendo a Cimeira de julho, em Washington, o momento da verdade), no sentido de construírem uma visão consonante sobre como fazer prevalecer os objetivos da NATO, perante essas duas prioridades medidas com graus diferentes.

Não por acaso, Lavrov voltou a elogiar o plano de paz que a China apresentou há mais de um ano (“o mais razoável até agora”), que tem 12 pontos e nunca se digna a definir a Rússia como invasor, muito menos lhe exige a retirada de tropas de solo ucraniano.

Stoltenberg propôs fundo de cinco anos para financiar a Ucrânia, de modo a que esse financiamento a Kiev, na guerra com a Rússia, seja mais estável e previsível, que não dependa tanto de mudanças políticas conjunturais, num total que deverá rondar os 100 mil milhões de dólares.

A forma como o mecanismo será criado será debatida pelos 32 Estados-membros, sempre com o objetivo de reforçar o financiamento a Kiev. Nele se prevê que os aliados discutam como distribuir e como contribuir para esse montante, uma vez que se propõe que tal seja feito de forma proporcional, com base no Produto Interno Bruto de cada Estado-membro. “Acreditamos firmemente que o apoio à Ucrânia deve depender menos de ofertas voluntárias a curto prazo e mais de compromissos a longo prazo”, afirmou Jens Stoltenberg. “Não se trata de caridade, mas de um investimento para nossa própria proteção”, asseverou a chefe da diplomacia belga, Hadja Lahbib.

Os membros da NATO vão começar a planear novas estruturas de apoio à Ucrânia. Mais uma vez, a chave estará na articulação de interesses e visões. Stoltenberg dedicou boa parte do primeiro dia das reuniões de quarta e quinta-feira passadas a falar com Orbán sobre o papel da NATO nos próximos anos.

O secretário-geral da NATO foi claro: a paz só se consegue com Forças Armadas ucranianas “fortes”. Ou seja: tudo passará por ajudar a Ucrânia com a máxima eficácia possível.

Lloyd Austin, secretário da Defesa dos EUA, resumiu o essencial: “A invasão imprudente e ilegal da Ucrânia por Putin trouxe de volta a guerra à Europa numa escala que os fundadores da NATO esperavam relegar para a história. Hoje, o mundo precisa da NATO mais do que nunca”.

Alexander Stubb e Volodymyr Zelensky assinaram um pacto de segurança para 10 anos em Kiev. O presidente finlandês anunciou envio de ajuda militar no valor de 188 milhões de euros e assegurou o envio de mais dois pacotes até ao final do ano.

É o oitavo país a assinar um acordo deste género com a Ucrânia, entre uma lista de países como o Reino Unido, França e Itália. No pacote de ajuda militar anunciado por Helsínquia está previsto o envio de defesa aérea e armamento pesado. “A mensagem é muito clara. Na Finlândia, acreditamos não apenas em ter o acordo de segurança mútua com a Ucrânia, mas também na adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO. Nunca devemos esquecer a visão alargada de que o caminho para a adesão à UE e à NATO para a Ucrânia é, por definição, uma vitória para a Ucrânia e uma derrota para a Rússia e para Putin”, declarou o presidente finlandês numa conferência de imprensa conjunta com o presidente ucraniano.

Stubb e Zelensky concordaram na ideia de que não faz sentido, para já, equacionar o envio de tropas finlandesas para o teatro ucraniano, devendo o plano de ajuda focar-se em mais equipamento militar.

A Finlândia planeia fornecer pelo menos mais dois pacotes de ajuda à Ucrânia ainda este ano.


QOSHE - Em busca de nova visão transatlântica - Germano Almeida
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Em busca de nova visão transatlântica

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07.04.2024

A invasão russa da Ucrânia revitalizou a NATO enquanto pilar de uma construção de valores comuns de paz e prosperidade. Três quartos de século depois da assinatura do Tratado de Washington, voltou a ser muito claro que a grande ameaça se encontra em Moscovo - e há que travá-la.

As três décadas posteriores à queda do Muro de Berlim e à desagregação da URSS geraram-nos a ilusão de que a Rússia já não constituiria essa ameaça. Muitos chegaram, até, a apressar-se em concluir que a verdadeira razão de ser da NATO estava a desvanecer-se.

Em 2019, há apenas cinco anos, em plena presidência Trump, Macron exortara: “A NATO entrou em estado de morte cerebral.”

A três meses da Cimeira de Washington, momento chave para que se tomem decisões cruciais para o rumo que a Aliança Atlântica vier a adotar, temos de perceber que o dilema da NATO é profundo: não sabe se continuará a contar verdadeiramente com o seu grande contribuinte - os EUA.

A Aliança sublima os interesses comuns de defesa entre os dois lados do Atlântico. A grande questão, neste momento absolutamente decisivo das relações internacionais, é que não é certo que o ramo americano e o ramo europeu continuem a ter as mesmas prioridades estratégicas.

Os Estados Unidos veem como maior ameaça geopolítica a evolução no Indo-Pacífico, perante o crescimento expansionista da China. A Europa sabe que tem na invasão russa da Ucrânia uma série ameaça existencial: se a Rússia ganhar e ocupar grande parte de um país que pretende entrar na UE e já foi admitido como candidato, é todo o projeto europeu que fica em causa.

Uma Rússia imperial às portas da UE alteraria toda a arquitetura de segurança europeia - e é por isso que é tão importante perceber que a nova fronteira da Europa democrática passou a estar na Ucrânia.

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