A 18 de outubro do ano passado, apenas 11 dias após os horríveis atentados do Hamas em território israelita, Joe Biden chegou a Telavive para fazer um apelo profundo e difícil a Netanyahu: “Não se deixem consumir pela raiva.”

Na altura, o presidente dos EUA puxou do poderoso argumento da autocrítica para chamar o primeiro-ministro israelita à razão: “Depois do 11 de Setembro, nós, americanos, ficámos com raiva. E enquanto procurávamos, com razão, por Justiça, também cometemos erros. Não cometam os mesmos erros.”

Não foi uma lição de moral, o que Biden quis fazer a Netanyahu nessa altura. Foi uma ponderação sobre custos e decisões difíceis a tomar em tempos de guerra: “Há sempre um custo, mas ele precisa ser considerado. Requer que se façam várias perguntas difíceis. Requer clareza sobre os objetivos e uma avaliação honesta se o caminho que escolhemos fará com que alcancemos esses objetivos.”

O que se passou no meio ano seguinte é conhecido: ainda que nunca tenha abdicado da ajuda dos EUA, Netanyahu foi ignorando cada vez mais os avisos de prudência e contenção que foi recebendo da Administração Biden.

A chacina cometida por Israel em Gaza nos últimos seis meses pode custar a reeleição a Joe Biden em novembro. Boa parte de quem votou em Joe contra Trump há quatro anos considera que Israel está a cometer um genocídio em Gaza. A classificação está longe de ser correta juridicamente - mas colhe forte aprovação nos setores mais progressistas do Partido Democrata. E em política (sobretudo no momento do voto) os sentimentos contam mais do que os factos objetivos.

Os conselhos de Biden a Netanyahu nos dias que se seguiram ao horror do 7 de Outubro poderiam ser transportados, quase na totalidade, para o momento atual. Mas com uma diferença fundamental: as condições políticas do primeiro-ministro israelita, na sequência dos erros e excessos da operação militar em Gaza, degradaram-se profundamente desde aí - tanto interna como externamente.

O ataque de sábado do Irão a Israel pode mudar os dados deste jogo. Constitui, pelo menos, uma nova oportunidade para Benjamin Netanyahu, assim o primeiro-ministro israelita não a desperdice.

A enorme eficácia do sistema de defesa israelita voltou a funcionar. A proteção dos civis e mesmo das infraestruturas foi quase perfeita. A ajuda de EUA, Reino Unido, França e Jordânia (cuja intervenção minimizou o impacto das mais de três centenas de drones e mísseis iranianos antes de entrarem em solo israelita) foi crucial.

Ao telefone, foi isso que o presidente dos EUA tentou dizer, na madrugada de sábado para domingo, ao líder do Executivo israelita.

“Tiveste uma vitória. Fica com esta vitória.” Joe Biden terá deixado bem claro que os Estados Unidos não ajudarão, nem farão parte, de uma eventual retaliação de Israel contra o Irão.

Nas várias vezes em que foi atacado nas últimas décadas por vizinhos hostis, Israel retaliou sempre. E quase sempre de forma brutal e desproporcionada. O que está a acontecer em Gaza há mais de seis meses é a mais recente prova disso.

Se, desta vez, Telavive abdicar de retaliar, pode gerir o novo fôlego de apoio internacional que obteve desde sábado passado. Mas pode, também, correr o risco de sinalizar a Teerão que uma nova agressão poderia ficar impune.

Tudo indica que Israel opte por retaliar. A grande questão é saber como, em que grau e quando.

Durante o ataque israelita, Benny Gantz, ministro sem pasta do Gabinete de Guerra, já queria uma retaliação. Prevaleceu a via do ministro da Defesa, Yoan Gallant, assim como do líder das Forças de Defesa de Israel, Herzi Halevi, que alegaram que, se tal acontecesse, a segurança de Israel ficaria ainda mais em risco, perante um eventual descontrolo dos acontecimentos.

Os danos limitados do ataque iraniano ajudaram a que, nos dois dias seguintes, Israel ganhasse tempo para ponderar o que vai, realmente, fazer. Por enquanto, prevalecem as três exigências feitas pela diplomacia israelita no Conselho de Segurança da ONU sobre que consequência deve o Irão sofrer: condenação, sanções e rótulo de terrorismo (neste caso à Guarda Revolucionária Iraniana).

Teerão já avisou: se Israel retaliar a resposta será “mais forte e mais firme”. Mas o regime iraniano sabe que este tipo de ameaças se tratam mais de palavras, não de avisos concretos.

O Irão teve uma derrota estratégica. Deitou por terra décadas de omissão em ações ofensivas diretas (desde 1979 que o regime de ayatollahs usa os seus proxys para atacar ou ameaçar Israel, nunca o tendo feito diretamente até sábado passado).

Ora, esse ataque inédito revelou-se inócuo: Teerão usou 185 drones e 146 mísseis (entre balísticos e de superfície) e no fim da ação pouco ou nada atingiu em Israel. Não contou com grande apoio dos seus aliados autocráticos. E deparou-se com uma solidariedade junto de Israel de países que estavam, nos últimos meses, a demarcar-se de Telavive. Borrell falou ao telefone com o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano e condenou a “ameaça à segurança regional”; a própria Turquia avisou o Irão que não deseja uma escalada de tensão no Médio Oriente.

Para consumo interno, o Irão clama vitória, por considerar que agiu “em legítima defesa”, após o ataque israelita ao consulado iraniano em Damasco, de 1 de abril. Precisa de o fazer: a projeção de força perante o “estado sionista” é um escape para os sérios problemas internos da sociedade iraniana (inflação de 50%, forte repressão sobre reivindicações por direitos das mulheres).

David Cameron, chefe da diplomacia britânica, foi particularmente duro com Teerão: “O ataque imprudente e perigoso. O Irão teve uma dupla derrota, uma vez que não conseguiu infligir danos a Israel. Eles revelaram ao mundo que são a influência maligna na região.”

QOSHE - A vantagem de não retaliar - Germano Almeida
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A vantagem de não retaliar

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16.04.2024

A 18 de outubro do ano passado, apenas 11 dias após os horríveis atentados do Hamas em território israelita, Joe Biden chegou a Telavive para fazer um apelo profundo e difícil a Netanyahu: “Não se deixem consumir pela raiva.”

Na altura, o presidente dos EUA puxou do poderoso argumento da autocrítica para chamar o primeiro-ministro israelita à razão: “Depois do 11 de Setembro, nós, americanos, ficámos com raiva. E enquanto procurávamos, com razão, por Justiça, também cometemos erros. Não cometam os mesmos erros.”

Não foi uma lição de moral, o que Biden quis fazer a Netanyahu nessa altura. Foi uma ponderação sobre custos e decisões difíceis a tomar em tempos de guerra: “Há sempre um custo, mas ele precisa ser considerado. Requer que se façam várias perguntas difíceis. Requer clareza sobre os objetivos e uma avaliação honesta se o caminho que escolhemos fará com que alcancemos esses objetivos.”

O que se passou no meio ano seguinte é conhecido: ainda que nunca tenha abdicado da ajuda dos EUA, Netanyahu foi ignorando cada vez mais os avisos de prudência e contenção que foi recebendo da Administração Biden.

A chacina cometida por Israel em Gaza nos últimos seis meses pode custar a reeleição a Joe Biden em novembro. Boa parte de quem votou em Joe contra Trump há quatro anos considera que Israel está a cometer um genocídio em Gaza. A classificação está longe de ser correta juridicamente - mas colhe forte aprovação nos........

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