Propositadamente, escrevi pouco ou quase nada sobre o Chega. Entendi sempre que o que dizia alguma vox populi sobre o Chega ignorava as razões mais profundas que estão na origem do seu crescimento na sociedade portuguesa. Que, aliás, continuará se no espaço europeu se não forem resolvidos os problemas que estão na origem do crescimento de forças populistas, autoritárias e xenófobas na Europa.

Não adianta muito combater o Chega, hoje em Portugal com uma significativa presença de 48 deputados, acusando-o, tout court, de ser um partido fascista. Só o pode classificar assim quem, por ignorância, não conhece a verdadeira dimensão do fascismo italiano ou espanhol, as ideias e as práticas que lhe estavam subjacentes.

O crescimento de partidos extremistas como o Chega, na Europa, tem razões profundas que se explicam por causas socias e económicas que alteraram, nalguma coisa, a configuração política do espaço democrático europeu. Antes de tudo a crise financeira de 2010 que pôs em perigo o equilíbrio

económico dos países mais frágeis que integram a União Europeia e trouxe à Europa a desconfiança e o descrédito nas suas instituições financeiras e sérias dificuldades para os países, socialmente, mais debilitados. A par disso, os países mais desenvolvidos da União Europeia conheceram fluxos migratórios com os quais nunca conseguiram lidar, organizar ou obter uma integração equilibrada. Isso desencadeou sentimentos de nacionalismo exacerbado e algum eurocepticismo.

Ainda hoje a União Europeia está paralisada face ao problema da imigração sem conseguir integrar, organizar e gerir os fluxos migratórios cada mais abundantes.

Mas a Europa democrática não ficou imune aos sinais do que é a grande bandeira dos partidos extremistas- a corrupção- e que é, também, uma razão não displicente do crescimento dos partidos populistas na Europa.

Quem se recordar do nome de Eva Kaili, vice -presidente do Parlamento Europeu, sabe que esta, juntamente com os eurodeputados belga Marc Tarabella e o italiano Pier Antonio Panzeri, enfrentaram acusações de recebimento indevido de 1,5 milhões de euros com origem no Qatar.

Em Portugal escusamo-nos de recordar, aqui, os mais recentes episódios de alegada corrupção que atingiram o centro nevrálgico do poder político.

Perguntar-se-á, então, que fazer com o Chega. Vamos continuar a afirmar que o milhão e cem mil portugueses que votaram no Chega são fascistas, xenófobos, racistas e tudo o mais que se diz do Chega. Vamos pintar paredes? Vamos incendiar sedes?

Ou vamos fazer o que fizeram tantos outros países democráticos por essa Europa fora que, sociologicamente, esforçaram-se por integrar os partidos extremistas e populistas na lógica da arquitetura democrática.

Hannes Loth, membro do AFD alemã, força de cariz populista e extremista foi eleito como perfeito na pequena cidade de Raguhn Jessnitz, na Alta Saxónia. Não consta que tenha havido problemas acrescidos na edilidade com a sua eleição! Na Finlândia a extrema- direita integra o governo de Helsínquia. Sem grandes consequências para a continuidade da prática democrática naquele país! Na Grécia três partidos de extrema -direita têm assento parlamentar. Não há sinais de que o

Parlamento grego esteja paralisado pela presença de forças populistas! Na Suécia o actual governo tem o apoio de um partido populista. Da Suécia não vêm sinais de paralisia governamental!

Portanto, talvez se um dia confrontarmos o Chega com uma efectiva participação na resolução dos problemas que afligem Portugal fiquemos a saber o que vale, verdadeiramente, o Chega. Veremos o que conseguem fazer, além de falarem. Constaremos o sucesso ou insucesso da sua prática na resolução dos problemas da corrupção. Os que o apoiam vão ver como organizam, ou não, os serviços públicos, como conseguem, ou não, melhorar a saúde e a educação, qual o seu sucesso, ou insucesso, na ajuda do crescimento do país. Vamos ver, pois, como age o Chega quando passar da palavra aos actos! Um dia, isso será inevitável.

E, nesse momento, os que hoje votam no Chega vão ser confrontados com a sua verdadeira mais -valia. Vão saber, então, se o seu voto não foi puro tempo perdido. Esta prova de fogo, um dia, será feita.

QOSHE - Chega. A prova de fogo! - António Capinha
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Chega. A prova de fogo!

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15.03.2024

Propositadamente, escrevi pouco ou quase nada sobre o Chega. Entendi sempre que o que dizia alguma vox populi sobre o Chega ignorava as razões mais profundas que estão na origem do seu crescimento na sociedade portuguesa. Que, aliás, continuará se no espaço europeu se não forem resolvidos os problemas que estão na origem do crescimento de forças populistas, autoritárias e xenófobas na Europa.

Não adianta muito combater o Chega, hoje em Portugal com uma significativa presença de 48 deputados, acusando-o, tout court, de ser um partido fascista. Só o pode classificar assim quem, por ignorância, não conhece a verdadeira dimensão do fascismo italiano ou espanhol, as ideias e as práticas que lhe estavam subjacentes.

O crescimento de partidos extremistas como o Chega, na Europa, tem razões profundas que se explicam por causas socias e económicas que alteraram, nalguma coisa, a configuração política do espaço democrático europeu. Antes de tudo a crise financeira de 2010 que pôs em perigo o equilíbrio

económico dos países mais frágeis que........

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