Este ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril constitui naturalmente uma oportunidade para um balanço deste meio século da democracia portuguesa. O extraordinário alargamento do serviço público de educação constitui inegavelmente uma das maiores conquistas de Abril, a par do estado de direito democrático ou do serviço nacional de saúde.
Entre as inovações mais recentes, conta-se a introdução de uma disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento” em todos os níveis do ensino básico e secundário, com o importante objetivo de ajudar a formar cidadãos empenhados e conscientes dos desafios que enfrenta a comunidade. Sendo de criação recente, esta disciplina tem o seu caminho delineado na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania. Ao longo de todo o ensino básico e secundário, vão sendo abordados tópicos tão diversos como direitos humanos, igualdade de género, ambiente, sexualidade, participação democrática, literacia financeira, empreendedorismo ou voluntariado.
Quem são os professores que lecionam esta multidão de temáticas? Naturalmente, no primeiro ciclo do ensino básico não pode deixar de ser o professor titular, que leciona também os restantes conteúdos. Contudo, tal como nas restantes áreas do currículo, esperar-se-ia que, à medida que os alunos progridem no seu desenvolvimento, exigindo abordagens crescentemente especializadas, fossem necessários professores com uma formação científica especializada e adequada. Ora, para lecionar o conjunto de temas tão díspares e variados que integram esta nova disciplina, em qualquer nível de ensino, conta-se apenas com “a formação humanista dos professores”, de acordo com os documentos oficiais. “Paralelamente, poderão ser tidos em consideração outros fatores relativamente aos professores: formação na área da cidadania, motivação para abordagem desta área e para a utilização de metodologias de projeto e experiência na coordenação de equipas pedagógicas.” O que seja a “formação humanista dos professores” fica por explicar. Quanto à “formação para a área da cidadania”, é obviamente necessária. Mas que formação é essa? De acordo com o modelo atual, parece limitar-se à formação de base de cada docente, acrescida de uns parcos documentos referenciais produzidos pela Direção Geral de Educação, e uns cursos ligeiros de formação.
Esta abordagem enferma de um grave equívoco que declina em vários problemas: o equívoco, que aliás vem alastrando a outras áreas do currículo, é a minimização das competências científicas em favor das competências pedagógicas, assumindo que um professor pode ensinar tudo. Entre os vários problemas associados, o mais óbvio é o desvio de recursos humanos especializados, valiosos e escassos (professores de matemática, português, línguas, história, ciências) para lecionar ninguém sabe muito bem o quê. Os professores que, de forma generosa e entusiasta, se dispõem a lecionar esta disciplina, talvez devessem ponderar a desvalorização do trabalho docente que esta representa, numa filosofia em que qualquer um pode ensinar qualquer coisa. Mas há um outro problema mais importante: é que ao minimizar a formação científica associada a estes temas, acaba por se estar a passar involuntariamente às futuras gerações a perigosíssima falta de distinção entre factos, conhecimento e opinião. As imensas nuvens que se acastelam no horizonte do futuro próximo da democracia alimentam-se desta falta de critério, essencial para uma cidadania esclarecida.

QOSHE - Educação e Cidadania - Rui César Vilão
menu_open
Columnists Actual . Favourites . Archive
We use cookies to provide some features and experiences in QOSHE

More information  .  Close
Aa Aa Aa
- A +

Educação e Cidadania

39 1
08.01.2024

Este ano em que se celebram os 50 anos do 25 de Abril constitui naturalmente uma oportunidade para um balanço deste meio século da democracia portuguesa. O extraordinário alargamento do serviço público de educação constitui inegavelmente uma das maiores conquistas de Abril, a par do estado de direito democrático ou do serviço nacional de saúde.
Entre as inovações mais recentes, conta-se a introdução de uma disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento” em todos os níveis do ensino básico e secundário, com o importante objetivo de ajudar a formar cidadãos empenhados e conscientes dos desafios que enfrenta a comunidade. Sendo de criação recente, esta disciplina tem o seu caminho delineado na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania. Ao longo de todo o ensino básico e secundário, vão sendo abordados tópicos tão diversos como direitos........

© Diário As Beiras


Get it on Google Play