Todos conhecemos os encantos que o Bom Jesus do Monte, em Braga, nos proporciona. Refiro-me aos encantos religiosos, aos encantos arquitetónicos, aos encantos naturais e aos encantos amorosos.
Por ter sido declarado Património Mundial da Humanidade, em reunião que decorreu em Bacu, no Azerbaijão, em julho de 2019, o Bom Jesus atrai naturalmente cada vez mais visitantes nacionais e internacionais.
Centrando-me apenas nos encantos amorosos que este local paradisíaco inspira, por aqui ocorreram episódios de verdadeiro amor platónico, uns mais conhecidos (obviamente poucos), outros mais secretos (aos milhares, garantidamente).
O episódio romântico mais célebre, e que decorreu no Bom Jesus, desenvolveu-se em torno de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido, quando estes aqui se encontravam às escondidas.

Tal como refere Maria Nadalete Faria (Braga, 1995) “Envolvidos num amor proibido, Camilo e Ana encontraram, no local do Bom Jesus do Monte, a solidão, o ar e o silêncio necessários para o devaneio. A doença pulmonar de Maria José, irmã de Ana, acobertou as frequentes deslocações dos dois amantes ao Bom Jesus”.
Numa carta dirigida ao seu amigo visconde de Ouguela, e transcrita por Maximiano Lemos, Camilo Castelo Branco refere que esteve “no Bom Jesus dez mi- nutos, mas foi o bastante para que a Europa me contemplasse. As dores que eu então senti eram tamanhas que apenas me sustinha amparado ao braço de D. Ana Plácido. Fomos ali porque vamos lá todos os anos, no dia 14 de Julho, ver uma inicial que eu ali abri numa árvore há vinte anos”. (Id)
Estes encontros proibidos, entre Camilo e Ana Plácido, levaram-nos à cadeia, após queixa apresentada por Manuel Pinheiro Alves (marido de Ana Plácido). Ana Plácido entrou na cadeia da Relação (Porto) a 6 de junho de 1860 e Camilo no dia 1 de outubro do mesmo ano. Apesar da queixa apresentada, “O Bracarense”, de 18 de outubro de 1861, referia que “Foram absolvidos pelo jury, por falta de provas, os snrs. Camillo Castello Branco, a snr. D. Anna Augusta Plácido. O juiz mandou pòr os accusados em liberdade. Não houve recurso”.

Foi exatamente num penedo, existente mesmo atrás da igreja do Bom Jesus do Monte, que foi encontrada uma inscrição, de cariz romântico, e que até hoje passou quase despercebida.
O episódio, que ocorreu por volta de 1820, e envolveu um espanhol que andava perdido ali para os lados do Gerês, foi relatado pelo “Jornal Académico”, de 5 de abril de 1877, da seguinte forma:
“Pelos annos de 1820 encontraram os pastores de Villar da Veiga, junto das Caldas do Gerez, um hespanhol coberto de andrajos, vivendo miseravelmente em uma choça de ramos de arvores. Sustentava-se de medronhos e, outros fructos silvestres, e disse que fugira de Hespanha com a sua amante, que não póde receber, por ser freira professa.
A infeliz, não podendo sofrer o rigor do clima e da mizeria, succumbiu depois de passar alguns mezes n’aquelle deserto, e o amante pouco tempo lhe sobreviveu”.
O Professor de Retórica do Liceu de Braga, Francisco Jerónimo da Silva “esclarecido advogado e poeta, tendo noticia do triste drama, compoz (um) soneto, e o mandou gravar alli (no Bom Jesus do Monte) em uma pedra, com intenção de a collocar no sitio onde morreram os infelizes hespanhoes; mas a grandeza da pedra e a difficuldade da conducção para o Gerez o fizeram desistir do seu projecto, e a pedra alli ficou.»
A existência desta pedra, mesmo atrás da igreja do Bom Jesus do Monte, foi mencionada pela folha portuense “A Lucta”, e com o título “Catástrofe amorosa”, recordou a inscrição que lá existia:

“Passageiro! este chão que vês diante,
Na encosta de monte desabrido
D'um castelhano foi, que, perseguido,
Aqui se recolheu co’a terna ama.

Quebrantado por elle a fé constante
Que havia ao esposo terno promettido,
Trocou por ermo agreste e desprovido
Sua cella mimosa e abundante.

A era em que isto foi inda vae perto;
Mas da choça que aos dous prestára
abrigo.
Nem sequer um calhau se aponta ao
certo.

Tudo o tempo varreu, levou comsigo,
E só da tradição no livro incerto
Se encontra o caso que eu aqui te digo”.

Francisco Jerónimo da Silva, o autor desta “Catástrofe amorosa”, que foi colocada junto ao Bom Jesus, era um excelente helenista e especialista em literatura francesa, italiana e inglesa. Nasceu em Angra do Heroísmo, a 30 de setembro de 1806, e iniciou a vida profissional como professor de História e Retórica, em Braga.
Brilhante orador e jurista, recusou por várias vezes o cargo de Deputado, preferindo-se dedicar à advocacia, onde granjeou enorme admiração, quer no Porto, quer em Lisboa, para onde foi viver e trabalhar.
A mensagem dedicada ao casal espanhol, que se refugiou no Gerês após um desgosto de amor, e que foi encontrada num penedo, atrás da igreja do Bom Jesus, em Braga, é da autoria do açoriano Francisco Jerónimo da Silva. Com este episódio prova-se mais uma vez os encantos que a estância do Bom Jesus acarreta em quem o visita.

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“O penedo do amor colocado no Bom...”

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21.01.2024

Todos conhecemos os encantos que o Bom Jesus do Monte, em Braga, nos proporciona. Refiro-me aos encantos religiosos, aos encantos arquitetónicos, aos encantos naturais e aos encantos amorosos.
Por ter sido declarado Património Mundial da Humanidade, em reunião que decorreu em Bacu, no Azerbaijão, em julho de 2019, o Bom Jesus atrai naturalmente cada vez mais visitantes nacionais e internacionais.
Centrando-me apenas nos encantos amorosos que este local paradisíaco inspira, por aqui ocorreram episódios de verdadeiro amor platónico, uns mais conhecidos (obviamente poucos), outros mais secretos (aos milhares, garantidamente).
O episódio romântico mais célebre, e que decorreu no Bom Jesus, desenvolveu-se em torno de Camilo Castelo Branco e Ana Plácido, quando estes aqui se encontravam às escondidas.

Tal como refere Maria Nadalete Faria (Braga, 1995) “Envolvidos num amor proibido, Camilo e Ana encontraram, no local do Bom Jesus do Monte, a solidão, o ar e o silêncio necessários para o devaneio. A doença pulmonar de Maria José, irmã de Ana, acobertou as frequentes deslocações dos dois amantes ao Bom Jesus”.
Numa carta dirigida ao seu amigo visconde de Ouguela, e transcrita por Maximiano Lemos, Camilo Castelo Branco refere que esteve “no Bom Jesus dez mi- nutos, mas foi o bastante para que a Europa me........

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